O MINUTO
O prédio do escritório ensaia a marmórea treva,
O grande relógio, de vasto mostrador dourado
Sofre e resplandece. Eis o tempo de corrigir.
Ó meia-noite, zero do eterno,
Não tarda, num milhão de secretárias da cidade
Jazerá o minuto recém-nascido.
O recém-nascido minuto na secretária jaz,
Raspando o vidro com pontapés infantis, cortando
A diamantinos gritos o cristal e a dimensão
Da intemporalidade. Este lindo tiquetaque da morte
Grava o seu nome no ar. Volto-me
Titânicamente num sono distante, expelindo
De meus pulmões o gás amargo da vida.
O repugnante minuto cresce em comprimento e força,
Curvando a mola para forjar a hora férrea
Que, elo a elo, enferruja, luminoso o actual,
O derradeiro, morto. Entre as brilhantes máquinas
Arrumam-se anjos limpos, estudando o tiquetaque
Como estranha porcaria em que não pegam.
Nem a afastam cautelosamente para uma inofensiva distância.
É apunhalado um anjo e levado pelos ares uivando,
Que os diabos se juntaram num rubi
Como gorgulhos num grão; e chegam outros
Para olear as pontas, reduzir o ardor.
Vede-lhes as faces maldosas, de suor acesas,
Adorar o encadeado das rodas; vede como puxam
A Ténia do Tempo desde o nada até às cousas.
Eu, de coração distante, jazo espertinado,
Sorrindo desse quarto de mecânica perfeição suíça,
Que frágeis demónios dirigem, ignorante de males
Mesmo de gongues dominadores em torres se movendo,
E mãos tão altas como mastros de ferro, durmo,
Ao triste sinal do que, os anjos em revoada
Se erguem e me ultrapassam, fiando novelos de terror.
Tradução de Jorge de Sena.
Karl Shapiro nasceu em Baltimore a 10 de Novembro de 1913. Começou a publicar na década de 1940. Ganhou o Prémio Pulitzer de Poesia, em 1945, com uma colecção de poemas escritos enquanto o poeta servia no exército durante a II Grande Guerra: V-Letter and Other Poems. Foi editor da prestigiada revista Poetry: A Magazine of Verse. Escreveu, além de poesia, obras de ficção, ensaios e autobiografia. Faleceu em Nova Iorque, com 86 anos, no dia 14 de Maio de 2000.
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