27.7.05

PARA QUÊ FOUCAULT? (1)

Foucault foi dos maiores pensadores de sempre. Tentou perceber o fenómeno do "poder" e percebeu-o, parece-me, como ninguém. Diria que a sua capacidade de abstracção invulgar lhe permitiu "sair" da realidade para a ver com maior lucidez. Paradoxalmente, Foucault sabia que este tipo de distanciamento é impossível. Quando digo "realidade" poderia talvez (impropriamente) utilizar a palavra "linguagem" ou mesmo "discurso". Foucault percebeu como vivemos dentro da linguagem. É a linguagem que nos cria. Os nossos pensamentos estruturam-se a partir de um sistema de referências que nos pré-existe e nos contamina sempre. Nada existe que esteja "fora" do poder, nem os próprios "poderosos", os detentores do poder formal (seja político, económico ou qualquer outro que tentemos "isolar"), lhe estão imunes. Desta forma, será errada a visão do poder que o tenha como algo que se pode roubar a um grupo (o grupo do poder) para entregar a outro grupo (o que não possui senão a submissão; calma, no entanto: não se quer a passividade, mas lá chegaremos). Errada porquê, essa visão? Porque pressupõe a separação de mundos, um dualismo que não cabe no pensamento de Foucault. Foucault foi um crítico do modernismo e seus inerentes dualismos, mas já é a segunda vez que emprego o conceito (dualismo). Conhecemos Descartes e o modo como pretendia, através do uso da razão, explicar o mundo. Descartes, apesar das boas intenções, cometeu um erro grave (lembram-se de "O erro de Descartes", o excelente livro de António Damásio?): quando chegou a um nível que o seu uso da razão não conseguia penetrar, chamou-lhe divino e creu que era terreno acima, plano distinto. Dualismo humano/divino, razão/espírito. E muitos outros, claro, antes ou depois: homem/mulher, orgânico/inorgânico, significante/significado. Mas esta separação de mundos é bem anterior ao Iluminismo. Platão não terá sido o primeiro mas foi, seguramente, dos mais acérrimos propagandistas da "separação de mundos" que tanta (má, digo eu) influência teve na formação da civilização ocidental. Mundo sensível/mundo supra-sensível. Depois viriam "os bons" e "os maus", e não se fale (apenas) de cinema. Nos dualismos há sempre um pólo que prevalece em detrimento do outro. Foucault, então: visão não-dualista do poder (de tudo, aliás). (intervalo).

Rui Costa

3 Comments:

At 4:33 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Rui Costa, obrigado pelo Foucault, anda muito esquecido. Eu acho que ele nos ensina sobretudo a pensar, sem querer impor nada. Cá esperamos pelo (2).

 
At 6:38 da tarde, Anonymous Anónimo said...

filipe guerra: tens razao no que dizes. pensa-se melhor se se perder preconceitos, e para isso da jeito ver o que esta para tras. Dai a "genealogia" e "arqueologia" que F.sempre praticou (mais que saber os factos, perceber porque e que foram aqueles e nao outros).
Rui Costa

 
At 6:46 da tarde, Anonymous Anónimo said...

depois de ler isto deu-me para procurar o seu discurso d rentrée do College de France, não sei de que ano, mas antigo: ali se lê ao vivo aonde pode chegar o poder da inteligência.

 

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