OS PAPELOTES
Nunca choraremos bastante
termos querido ser belas
à viva força
eu quis ser bela
e julguei que para ser bela
bastava usar canudos
pedi para me fazerem canudos
com um ferro de frisar e papelotes
puxaram-me muito pelos cabelos
eu gritei
disseram-me para ser bela
é preciso sofrer
depois o cabelo queimou-se
não voltou a crescer
tive de passar a andar com uma peruca
para ser bela é preciso sofrer
mas sofrer não nos faz forçosamente belas
um sofrimento não implica como consequência
uma recompensa
uma dor de dentes pode comover a nossa mãe
que para nos consolar sem saber de quê
nos dá um rebuçado
mas o rebuçado ainda nos faz doer mais os dentes
a consequência de um sofrimento
pode ser outro sofrimento
a causa é posterior ao efeito
o motivo do sofrimento é uma das consequências
do sofrimento
os papelotes são uma consequência da peruca

Adília Lopes (pseudónimo de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira) nasceu em1960, em Lisboa. Tem vivido sempre na mesma casa, habitada pela família da sua mãe desde 1916. É solteira, não tem filhos, vive com dois gatos: a Ofélia (com 13 anos) e o João Paulo (com um ano). Começou por frequentar colégios de freiras. Na Universidade, em Lisboa, licenciou-se em Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa (1983-1988), fez também estudos de Física, Química e Matemática que não concluiu (1978-1982). Especializou-se em Linguística como bolseira do Instituto Nacional de Investigação Científica (1989-1992). Especializou-se em Ciências Documentais (1992-1995). Trabalhou nos espólios de Fernando Pessoa, Vitorino Nemésio e José Blanc de Portugal. Em 1999 ganhou uma bolsa de criação literária do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. Escreveu uma peça de teatro, A birra da viva, que foi levada à cena em 2000 pela Companhia de Teatro Sensurround dirigida por Lúcia Sigalho. Continua a trabalhar em teatro com Lúcia Sigalho e em crítica textual com Ivo Castro. Participa em programas de rádio e de televisão. Escreve para as revistas Livros e Pública e vive com a ajuda paterna. (biografia respigada aqui)
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