29.12.05

Heresias insones

No Jardim de Luz fala-se (escreve-se) com paixão acerca de Jesus. À questão “Jesus, um homem bom?”, MC dá uma resposta de fé: «Jesus não é somente e apenas um homem bom. É o homem plenamente divinizado. É a natureza humana levada ao Absoluto.» Valha-me Deus Nosso Senhor pôr em causa a fé seja de quem for! Considero a fé dos homens um bem absoluto, não podendo porém afirmar o mesmo sobre a manipulação dessa mesma fé. Mas sem pretender entrar em questões demasiadamente polémicas, para as quais não sinto qualquer vocação, e defendendo-me previamente do tom irónico que as minhas palavras inadvertidamente possam conter, ao ler aquela interrogação confesso ter pensado de pronto: “Bom? Ele foi mas é parvo.” Perdoe-se-me a heresia. Apoio-me na incomensurável capacidade de perdoar dos cristãos para aqui revelar e praticar alguns dos meus pecados. É que um ateu confesso, por mais que se esforce, apenas consegue ver na figura de Jesus, seja no homem, seja na divindade, uma enorme falta de senso. Que fique muito claro que nada tenho contra os cristãos nem contra a mensagem de Jesus Cristo. Há até alguns recados com os quais simpatizo e, provavelmente, pratico mais piamente do que alguns cristãos (pelo menos alguns que conheço e como tal se afirmam). Por exemplo, agrada-me a promoção do arrependimento (já aqui expliquei por quê), o ecumenismo, a rebeldia de algumas acções e a índole filantrópica de certos ditos. Não suporto, por outro lado, o tom eleito e evangelizador da mensagem cristã, o elogio idiota da dor e do sacrifício (felizes os que choram, o tanas!), a promessa de recompensas pela prática da bondade (assim como é castigo do vício o próprio vício, também é recompensa da bondade a própria prática da bondade - não há necessidade de um suposto Reino dos Céus para premiar os que apenas são o que devem ser), também não aguento o carácter maniqueísta e insuportavelmente fatalista com que se procura adestrar os homens (quem obedecer é o maior, quem desobedecer é uma treta), assim como julgo absolutamente extravagante a ideia de que pelo amor nos salvaremos… Tenham amor aos vossos inimigos, terá pregado Jesus junto daqueles que o crucificaram. Isto denota uma enorme falta de senso. Primeiro, porque o amor absoluto e incondicional não reconhece inimigos; segundo, porque para chegarmos à ideia de inimigo é preciso julgarmos os outros (o que entra em contradição com a mensagem de que não deveremos julgar ninguém e assim Deus não nos julgará); terceiro, porque amar um inimigo é, digamos assim, entregar o ouro ao bandido, isto é, deitar pérolas a porcos, dar aos cães o que é santo. Para terminar, há uma outra máxima cristã que julgo pouco ajuizada. Refiro-me àquela que nos aconselha a fazer aos outros tudo o que desejamos que eles nos façam. Começo a pensar no que isto significará do ponto de vista de um masoquista. Se eu desejar que a minha mulher me bata, deverei eu bater à minha mulher? Cala-te boca, antes que dês ideias.

4 Comments:

At 8:24 da tarde, Blogger maria said...

Tou lixada, Henrique. Ainda é pior que o ON. Mas vou responder a este admirável post. Ai vou, vou.
Não é para "proselitar".A paixão que me "vê" é o que me anima e consome. Obrigada, por ter falado nela.

 
At 11:21 da tarde, Blogger MJLF said...

A mensagem do cristianismo é o amor e o perdão, quando isso se institucionalizou deu asneira - a Igreja é o que é, e a maior instituição é mesmo a mediocridade. Quanto à mensagem em si, se for levada à letra parece estupidez, concordo, São Paulo bem afirmou que é escandalo para os judeus e loucura para os gentios. Mas existe em lado que me atrai nesta mensagem, o facto de o amor e o bem serem formas de redenção. E gosto de Cristo porque recusou usar a violencia, não quis ser um chefe politico para os judeus, perferiu morrer. É um gesto de altruismo muito bonito, gosto dos martires e de lideres que dizem não há violência, como Ghandi por exemplo.

 
At 4:21 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Ai o que eu tenho perdido por andar alheado disto dos blogues... Subscrevo cada palavra - melhor, cada sílaba - deste texto.

Um excelente ano para ti e para as tuas meninas.
Quando vieres à capital, liga pá!

 
At 10:47 da manhã, Anonymous Anónimo said...

fernando, ainda que não vá à capital, vou-te ligar hoje. mais logo. até já. :)

 

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