O povo é o povo
Do Prós & Contras de ontem/hoje ficam algumas notas. José Pacheco Pereira fez questão de sublinhar, por duas vezes, que todos os que estavam ali em debate eram intelectuais. «Bem, nós somos todos intelectuais…» - disse, por duas vezes. E era verdade. Se não fossem, como poderiam ter falado tanto do povo como se o povo fosse um conceito, ainda que em abstracto, definitivo? Afinal o que é ou quem é o povo? Parece que os quatro que estavam em debate o não eram. Desde logo porque são intelectuais, depois porque conseguem afirmar coisas tão elevadas como: «os portugueses têm um enorme desrespeito pelo Estado» (Maria Filomena Mónica), «é preciso partir as janelas» (Pacheco Pereira, lamentando-se de um suposto défice democrático de base na sociedade portuguesa), «os empresários portugueses são incultos» (Miguel Portas, ideia que Filomena Mónica corroborou chamando à liça um estudo por si elaborado em tempos) ou, para rematar, esta proposta fundamental e “fundamentante” de Boaventura Sousa Santos: «devemos ser optimistas trágicos». Qualquer uma destas ideias não está ao alcance do povo. O povo, digo eu, pensa pela sua cabeça. Não é como as elites, que passam a vida a pensar pela cabeça dos outros e perdem-se em citações. Aliás, esse é o grande mal do nosso país: o excesso de citações. O povo diria antes, digo eu: os tugas 'tão-se a cagar p´'o estado, 'tás aqui 'tás a comer nas fuças, os empresários são uma merda, temos que ter tomates e estômago... Realmente é preciso não ser povo para chegar àquelas tão doutas conclusões. A gente concorda com tudo, mas fica na mesma. Soluções? Que tal começar por resolver os problemas de liderança nos mais diversos sectores da vida pública? Em democracia o povo não lidera, embora eleja aqueles por quem é liderado. Se aqueles que são incumbidos de liderar o povo não souberem liderar, a responsabilidade deverá ser do povo ou dos eleitos? Neste nosso Portugal, país bonito lidera-se mal. Soa a slogan e até rima. Julgo ser esse um dos maiores problemas do nosso país. Não há espírito de liderança e, pior, não há, ainda, uma boa convivência com os que lideram. Isto, a meu ver, porque os que lideram não sabem liderar. O Estado é demasiado autoritário, mau pagador e injusto. São múltiplas as situações em que poderíamos apontar o dedo ao Estado como sendo o pior dos exemplos para aqueles que deveria liderar, desde logo começando por ser exemplar. No resto temos duas balizas a delimitarem a porrada em que o povo se vai entretendo: a baliza do deixa andar e a baliza do autoritarismo exacerbado. Repare-se que o próprio discurso das ditas elites anda sempre muito no pacote destes dois extremos. Na realidade, faltam-nos líderes verdadeiramente democráticos: dos que saibam impor regras, zelando pelo seu cumprimento (por todos). Aqui surge um problema, o de ainda hoje, passados 30 anos sobre a revolução de Abril, convivermos pessimamente com o fantasma da fiscalização. É indispensável e urgente ultrapassar esse fantasma. Só com uma fiscalização como deve de ser, imparcialmente empenhada na justiça, é que poderemos desbravar o caminho para aquilo com que todos a priori concordam mas poucos estão dispostos a assinar por baixo: a cultura de mérito. Terminem-se com os prémios a quem não mais faz do que aquilo que lhes compete, premeiem-se aqueles que são de facto sinónimo de excelência, ou seja, os que lograram fazer mais do que o que à partida era expectável. Quanto ao povo, nada a dizer. O povo é todos nós (sic). Sempre que ouço pronunciar a palavra povo recordo-me destes versos de Enzensberger sobre o Che: «Por toda a parte bufos, / intrigas que nunca consegui entender. Um eterno estrangeiro.» Porém, sempre que me lembro de Enzensberger vêm-me também à memória estes versos de Adília: «Hans Magnus Enzensberger / na Casa Pessoa / mostrou-se / muito pessimista / em relação / ao mundo / mas muito contente / consigo mesmo». Enfim, o povo é o povo.
2 Comments:
O Povo é o Povo, mas o Povo pode ser Bom Tipo! (ao contrário do que os "intelectuais" pensam)... honestamente, sempre que vejo televisão ultimamente arrependo-me das horas preciosas que perdi em frente ao vidro, ontém não foi excepção... do pedantismo ao ego-inchado da direita (o meu instituto...o meu instituto...o meio académico...o meio académico) à demagogia crónica da esquerda, salva-se muito pouco... duas ou três frase acertadas de sousa santos e pouco mais... resumindo, que o povo precisa de trabalhar, estamos todos de acordo
abraço
olha, barros... tu é que és inteligente. mas já lhe tenho o vício, pronto... a tv pegou-se-me. nada a fazer.
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