30.12.05

Neste ano de 2005

A partir de Daniel Filipe

Um homem como qualquer outro escondeu-se da vida no limbo das palavras. Teve trabalho de horário variável, chamam-lhe frágil: recibos verdes, flexibilidade, ossos partidos para reforma improvável. O galo que cacareja quotidianamente nos nossos ouvidos cada vez mais electrónicos. Neste ano de 2005, semanas cheias de vazios escuros. Câmaras lentas, planos americanos de rostos desconexos: alunos, formandos, no interior de uma sala de aula por vezes fastidiosa por vezes consoladora. Cinema aos sábados à noite, intervalado com jogos de bola, jantares burgueses e má-língua. Mulher e filha ao colo dos domingos azuis. Neste ano de 2005, férias no campo: praias em ruínas, o mesmo pôr-do-sol de sempre. O gosto pelos livros de poesia, bebedeiras ocasionais, trinta por uma linha. A televisão, a aparelhagem avariada, guitarradas de angústia, um computador. Ecrãs para o mundo que corre apressadamente na direcção de um futuro abismal. Missão cumprida: nada de negativismos, quanto muito um certo optimismo no pessimismo. Neste ano de 2005, dizer mais do que uma vez: silêncio. Deitado sobre a cama logo após o jantar, mas em vigília: insone. Com a filha aos saltos e o cão latindo a fome do costume. Um homem? Um osso duro de roer.