Ciganagem
Parece mentira, mas não é. Se bem percebi, há uns meses foi lançado no Entroncamento um suposto boato segundo o qual algumas famílias de etnia cigana iriam ser realojadas pela Câmara Municipal daquele concelho. O Presidente da Câmara Municipal do Entroncamento, que dá pelo nome de Jaime Manuel Gonçalves Ramos, considerando o boato «sombrio e preocupante» apressou-se a desmentir o mesmo em carta dirigida aos respectivos munícipes. O tom da carta, à qual cheguei por intermédio do outro mundo, é pura e simplesmente monstruoso. Para quem afirma não haver racismo neste país, veja-se como, em concelho de província, o edil máximo se refere ao boato em causa, considerando-o «gravoso e prejudicial à imagem da nossa – dele(s) – Câmara»: «não realojei, nem realojarei qualquer família de etnia cigana vinda de fora do Entroncamento enquanto for Presidente desta Câmara». Talvez isto possa parecer normal a quem logo ocorra o raciocínio mais frequente: realoja um, vêm logo dois ou três, ai são tantos a realojar. Mas o senhor presidente faz questão de ser ainda mais assertivo, concluindo: «Não defraudarei a confiança em mim depositada!» Pergunto: e se a família não for de etnia cigana? Haverá alguma hipótese de uma qualquer família, vindo de fora, ser realojada nesse concelho? Se não, por quê essa discriminação das famílias, fazendo questão de demarcar a posição especificando uma etnia em concreto? Todos sabemos a razão de tais métodos. Quem lança o boato, saberá que junto da população a ciganagem é mal vista. Serão tão bem-vindos quanto uma praga de gafanhotos. Quem é vítima do boato, sabe do mesmo. E por isso, eximindo-se das suas responsabilidades pedagógicas mais básicas, o senhor presidente faz questão de esclarecer exclamando: «Ciganos aqui? Nem vê-los!» Permitam-me que desenterre do baú uma coisa que publiquei num outro weblog há já uns dois anos: Morei sempre ao pé de ciganos. Em Rio Maior, muito perto da casa onde vivi durante os primeiros doze anos, havia um acampamento com barracas todas jeitosas. Quando queria caixas de sapatos para os bichos de seda, eram os ciganos quem me as forneciam. Depois mudámos para um bairro burguês, mais classe média-alta. A cinquenta metros da nossa casa, num velho eucaliptal, sobrevivia um velho cigano na mais sórdida das condições. De vez em quando oferecíamos-lhe comida. As pessoas lá da terra tentaram, por diversas vezes, mudá-lo para um lar. Recusou sempre. Mesmo quando lhe propuseram um quarto autónomo, ele recusou. Preferia o desconforto a abdicar da pouca liberdade que tinha, dizia ele. Quando fui morar para Lisboa, onde vivi durante sete anos, era frequente escutar os ciganos que por ali residiam em alegres desgarradas. Cantavam, como sé eles sabem cantar, até esgotarem as reservas de cerveja. Agora moro junto a um bairro social que é por estas bandas conhecido como o «bairro dos ciganos». Quando digo a alguém que moro perto do Bairro Cigano noto, em algumas pessoas, uma disfarçada reacção de cisma. O mesmo acontecia quando trabalhei numa escola no Alto da Damaia, conhecida como a escola mais africana da Europa. Julgo que o facto de toda a vida ter morado ao pé de ciganos foi muito positivo. Mais que não seja para que quando alguém me diz que mora no Casal Ventoso, na Falagueira ou na Quinta do Mocho, eu não faça aquele mesmo ar que, de forma tão espontânea, denuncia o quão feia uma pessoa pode ser. Acrescento ao relato a experiência de quase dez anos de docência com adolescentes. Acreditem nisto: sempre que se discutem temas como discriminação, relativismo cultural, racismo, etc., sou obrigado a ouvir, não um, não dois, não três, mas vários adolescentes confessarem ódios do género: «Pretos, ainda vá que não vá. Agora ciganos e gays... nem vê-los!» De onde lhes vem este ódio? Eu acho que sei. Mas antes que o diga, gostava que o tema fosse do interesse não só de quem o discute com estes jovens mas de todos. Porque como dizia o outro, repito-me, «somos todos culpados de tudo e de todos».
10 Comments:
«Gosto de ciganos», «gosto de pretos», «gosto de suecos» é também racismo. Gostava de dar a volta à minha mente e poder dizer sem medo e com convicção: odeio o cigano Manolo e gosto do cigano Francisco, vê-los como dois homens: um que terá defeitos que me levam a odiá-lo, o outro que terá virtudes que me levam a gostar dele. Mas não posso, tenho medo que o politicamente correcto me abarbate pela gola e me dê uma desanda de «execrável racista». Henrique, se vivesse entre os ciganos, e não apenas perto deles, haveria de ter alguns de que gostava e alguns que não gramava, e não por serem ciganos. Esse presidente da câmara de que fala é o nosso retrato, mas sem retoques.
alfinete: obrigado.
fag: completamente de acordo. por isso mesmo não digo que gosto ou deixo de gostar de ciganos. gosto de pessoas. e duma coisa tenho a certeza: não há pessoas de quem não goste (pelo menos um bocadinho).
Excelente texto. E partilho das suas preocupações. Também em contacto com adolescentes, encontro as mesmas reacções.
E não resisto a uma longa citação:
" (...) disse a um aluno meu angolano o racismo só teria acabado no dia em que, olhando para ele, eu não notasse que ele é negro ou que eu sou branca, o que vai dar no mesmo. (A minha brancura, aliás, resulta da «negrura» dele). É que, ao contrário do que estas palavras insinuam, não se trata de uma questão de cor de pele, mas de uma percepção histórica e culturalmente condicionada, em que estão inscritas todas as práticas, incluindo as discursivas(...)." Teresa Pizarro Beleza
A Percepção do outro é um condicionamento histórico e cultural? Certamente. A questão é como conseguimos tomar plena consciência do mesmo, por forma a despirmo-nos desse manto bafiento que nos cobre.
Não li o texto em questão( o do presidente), mas concordo em absoluto com as várias palavras já ditas sobre o racismo.
tenho ainda assim algumas reservas quanto à culpa deste presidente.
será que foi apenas uma infelicidade de discurso?
será que atacava realmente os ciganos, ou apenas o tal boato?
É que os presidentes de cãmara não são escritores.
São politicos, eleitos por todos nós como sendo isso mesmo.
Mas como digo, não posso julgar as palavras desse dignatário sem ler o documento.
De resto, como escreveu António Gedeão, as lágrimas são todas da mesma cor.
ok, já li o documento e parece-me confirmar a suspeita de que o homem é mais palerma que mal-intencionado.
obrigado pelos comentários. como diz fag, «é o nosso retrato, mas sem retoques».
Tens toda a razão, Henrique.
Encontram-se problemas no seio da comunidade cigana, como se encontram noutros grupos.
No meu local de trabalho, costumam passar algumas crianças e as mães a pedir, consegui estabelecer uma relação de proximidade sem ser de condescendência. Elas respeitam e aceitam quando digo: "Hoje, não te dou."
Consegui pôr alguma dignidade, porque é fruto da relação que estabelecemos, no acto de lhe dar alguma ajuda material. Mas o que lhe dou a maior parte das vezes é a minha atenção e carinho. Algumas vezes firme, como também tem de ser, nas comuns relações que estabelecemos.
Qualquer tipo de racismo é uma desumanidade. Se é institucional, devia ser punido nos devidos lugares.
Amigos de um cigano, nem que te fodas ó cão.
Quando 6 te entrarem em casa e te levarem tudo, depois de viverem á custa dos teus impostos, cuspirem nos teus valores, viverem á margem da lei, só um buraco fundo combina com a raça cigana.
Um dia destes ainda deito a mão a algum e faça o que deva feito...
O caçador
Gostei do texto, no entanto tenho a dizer que provavelmente nunca terá sido agredido por nenhum cigano só porque o estavam a maltratar e não admitiu pois não?
anonimo
O caçador portugues de merda...
Qual cigano te comeu o rabo para teres tanta raiva, o raios!!!
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