Caros Rui e dama, permitam-me só alguns esclarecimentos:
1 – O meu post inicial pretendia apenas dizer isto: a poesia não tem sexo. Vocês poderão julgar o contrário, o que é legítimo. A minha desconfiança, como digo, é pouco fundamentada. Baseia-se mais num exercício de pensamento enquanto leitor de poesia do que outra coisa qualquer. Ambas as teorias (há uma poesia de género / não há uma poesia de género) podem ser fundamentadas com coerência, concluindo-se daí vários vícios e virtudes. A minha questão é só esta: não faz sentido falar numa poesia feminina, como não faz sentido falar numa poesia masculina, como não faz sentido falar numa poesia gay. Faz sentido falar em poesia. E depois em poetas. E depois em poemas. E ao falarmos em poetas e poemas, podemos falar em inclinações, tendências, etc. Para falar de poesia já não me parece fazer sentido esse tipo de discriminações. Acabarão sempre naquilo que Inês Pedrosa afirma, numa citação que deixei mais abaixo: os homens a discutirem os grandes temas da literatura/poesia; as mulheres a discutirem o sexo dos anjos.
2 – O Rui Costa veio acrescentar novos pontos à discussão que nada têm que ver, quanto a mim, com a questão inicial. A questão da origem da linguagem, da língua, da fala, dos conceitos, é outra. Pode ser relacionada com a primeira, originando assim um novo assunto. O Rui diz que dizer «textos» já é participar no dualismo (vertente masculina). Pois bem, dizer «poesia» também (vertente feminina). Se dizemos «poesia» e não «poesio», por alguma coisa há-de ser. Mas e daí? Eu não nego a existência dos dualismos, não nego a existência da polaridade. Antes pelo contrário. Mas digo que há um “espaço” em que essa polaridade resulta na reconciliação do que se opõe: chamem-lhe síntese, chamem-lhe fusão, chamem-lhe reconciliação, chamem-lhe o que quiserem. Para mim, a poesia, a linguagem poética, assim como a música, assim como a pintura, etc, é um desses espaços onde o dualismo pode ser ultrapassado. Que haja artistas que insistam na redução desses espaços a manifestações fragmentárias do ser, é lá com eles. Por isso mesmo gosto de uma poesia que não se imponha por ser masculina, feminina ou gay, por ser de esquerda, libertária ou liberal, por ser pop, flop ou do top, por ser do real, surreal, da experiência, da imaginação, por ser isto ou por ser aquilo, mas antes por ser uma manifestação total da sua natureza poética (assexuada, apolítica, etc).
3 – Se perfilho uma perspectiva basicamente essencialista? Lá está mais um desses rótulos que me causam alguma urticária. O que faz a fenomenologia senão afirmar a essência no fenómeno? Desse ponto de vista, a fenomenologia é essencialista. Embora a essência aqui assuma um carácter dinâmico. Dir-me-ão que isto não faz sentido. Pois eu acho que faz todo o sentido, bastando para isso libertarmo-nos dos tais grilhões dualistas do pensamento ocidental. Lembro-me de na Universidade ter feito um trabalho onde defendia a impossibilidade da definição senão pela assunção do seu carácter dinâmico. Ou seja, a imutabilidade do Todo (partindo do princípio que ele exista) só é explicável, à luz dos princípios de Polaridade e de Ritmo, se partirmos também do princípio que essa imutabilidade se define já pelo movimento permanente. Assim, o Todo é imutável na medida em que é sempre mutação.
2 – O Rui Costa veio acrescentar novos pontos à discussão que nada têm que ver, quanto a mim, com a questão inicial. A questão da origem da linguagem, da língua, da fala, dos conceitos, é outra. Pode ser relacionada com a primeira, originando assim um novo assunto. O Rui diz que dizer «textos» já é participar no dualismo (vertente masculina). Pois bem, dizer «poesia» também (vertente feminina). Se dizemos «poesia» e não «poesio», por alguma coisa há-de ser. Mas e daí? Eu não nego a existência dos dualismos, não nego a existência da polaridade. Antes pelo contrário. Mas digo que há um “espaço” em que essa polaridade resulta na reconciliação do que se opõe: chamem-lhe síntese, chamem-lhe fusão, chamem-lhe reconciliação, chamem-lhe o que quiserem. Para mim, a poesia, a linguagem poética, assim como a música, assim como a pintura, etc, é um desses espaços onde o dualismo pode ser ultrapassado. Que haja artistas que insistam na redução desses espaços a manifestações fragmentárias do ser, é lá com eles. Por isso mesmo gosto de uma poesia que não se imponha por ser masculina, feminina ou gay, por ser de esquerda, libertária ou liberal, por ser pop, flop ou do top, por ser do real, surreal, da experiência, da imaginação, por ser isto ou por ser aquilo, mas antes por ser uma manifestação total da sua natureza poética (assexuada, apolítica, etc).
3 – Se perfilho uma perspectiva basicamente essencialista? Lá está mais um desses rótulos que me causam alguma urticária. O que faz a fenomenologia senão afirmar a essência no fenómeno? Desse ponto de vista, a fenomenologia é essencialista. Embora a essência aqui assuma um carácter dinâmico. Dir-me-ão que isto não faz sentido. Pois eu acho que faz todo o sentido, bastando para isso libertarmo-nos dos tais grilhões dualistas do pensamento ocidental. Lembro-me de na Universidade ter feito um trabalho onde defendia a impossibilidade da definição senão pela assunção do seu carácter dinâmico. Ou seja, a imutabilidade do Todo (partindo do princípio que ele exista) só é explicável, à luz dos princípios de Polaridade e de Ritmo, se partirmos também do princípio que essa imutabilidade se define já pelo movimento permanente. Assim, o Todo é imutável na medida em que é sempre mutação.
4 – Por fim, a distinção entre língua e linguagem não me parece nada ténue. Antes pelo contrário. Se bem me lembro, foi Saussure quem propôs essa distinção entre linguagem, língua e fala. Só a língua seria cientificamente determinável. Neste sentido, eu até aceitaria que me dissessem que a língua, e não a linguagem, é predominantemente masculina e racista. Mas é preciso prová-lo. Em que é que a língua é predominantemente racista e masculina? A linguagem, se a entendermos enquanto representação do pensamento, será, tal como a poesia, assexuada. Ou vamos dizer que o pensamento é «predominantemente masculino e racista»? Isso parece-me insustentável de todos os pontos de vista. Eu acho que os dualismos se ultrapassam precisamente de outra forma: assumindo que o poder da linguagem e do pensamento é o da sua indecifrabilidade. Por isso mesmo resta-nos procurar domesticá-lo, desde muito cedo, ensinando uma língua. A arte, a poesia, a pintura, a música, a dança, etc, serão um retorno, tanto quanto possível, à brutalidade, à crueldade, à barbárie, da linguagem e do pensamento. Assexuada e apolítica, a arte tem esse poder de nos colocar na origem. Por isso é tão temível. Por isso é tão ameaçadora. Por isso o outro a quis fora da cidade ideal.
7 Comments:
Ok Henrique, discordamos m/ n faz mal. É q eu n acho mm q a poesia seja ou venha dos anjos. Nem q o pensamento seja tb anjélico. O pensamento é ideologicamente formado pela linguagem (ok, q se quiseres se actualiza na(s) língua(s), m/ essa distinção saussurina tb pode ser mt discutível)e vice-versa, como têm demonstrado vários analistas do discurso, q eu n vou p/aqui chamar pq continuo s/tempo. Mas espero tê-lo + adiante p/falar sobre isto, contigo e c/ o Rui, amena e ponderadamente. Já agora deixo duas provocações:
- devia ser cara(o)s dama e rui (pelo politicamente correcto, se quiseres, m/n por qq cavalheirismo, apenas por concessão à precedência neste debate) :)
- um poema do último livro de Adília Lopes, q deves ter visto citado plo EPC:
eu digo
pequeno-almoço
os poetisos dizem
almoço pequeno
sobre a relva
sobre a erva
Bjs.
Dama, onde é que eu disse que a poesia vem dos anjos e que o pensamento é angélico? Isso sim, é tresler. Não disse nada disso, até porque não creio em anjos. Sou ateu. ;-) Quanto ao resto, olha: 1 + 1 = 2. Isto é feminino ou masculino?
Saúde,
«A arte, a poesia, a pintura, a música, a dança, etc, serão um retorno, tanto quanto possível, à brutalidade, à crueldade, à barbárie, da linguagem e do pensamento.» Angélico?
Desculpa, Henrique, mas se tresli não sei onde:
"As palavras são anjos. Se as palavras participam de um dualismo (masculino/feminino), é porque culturalmente o homem começou a olhar assim o mundo: opondo o céu à terra, o divino ao profano, o amor ao ódio, deus ao diabo, o dia à noite."
Isto é anjos, serafins, lúcifers, mas tudo m/parece remeter para nostalgias de arquétipos transcentes (o que, evidentemente, n/ tem nada a ver com o dualismo, eu também acho que não há dualismo, tb concordo com outras coisas, como o facto de a poesia / literatura / escrita não ter de ser masculina ou feminina, só que às vezes é, e nem sempre por más razões. Espero que não estejas agastado. Eu gosto deste tema. Gosto de discuti-lo. Por isso é que gostava de ter mais tempo. É só. Bjs.
Dama,
Estou agastado, mas não é por esta discussão. É porque além desta discussão, há toda uma vida de contas para pagar. :) Acho que treslês as minhas afirmações quando dizes isto: «É q eu n acho mm q a poesia seja ou venha dos anjos. Nem q o pensamento seja tb anjélico.» É que eu não disse absolutamente nada que pudesse ser assim interpretado. Eu também não acho que a poesia seja ou venha dos anjos. E não julgo que o pensamento seja angélico. Julguei ter deixado bem claro o contrário quando afirmei que «a arte, a poesia, a pintura, a música, a dança, etc, serão um retorno, tanto quanto possível, à brutalidade, à crueldade, à barbárie, da linguagem e do pensamento.» Quanto às palavras serem anjos, o contexto em que o afirmei é meramente simbólico. Era uma espécie de comparação. Os anjos não têm sexo, assim as palavras. Não vejas aqui qualquer nostalgia de arquétipos transcendentes, porque ela não existe, nunca existiu. Deste teu comentário retenho algo mais interessante: eu também acho que não há dualismo. Espero que não estejas a negar o argumento do Rui dos «textos e das «textas». É que se for isso, fazes mal. O dualismo existe, é patente, não vale a pena negá-lo ou achar que ele não existe. A questão é outra. E aí talvez seja isto que queres dizer: todo o uno é dual, na medida em que é dinâmico. Um homem participa, na sua origem, da conjugação de um masculino com um feminino. Se for isso, óptimo. É nisso que acredito. Resumindo, para mim a poesia não tem género (masculino ou feminino) precisamente porque resulta desse dinamismo. Tudo o que é masculino é ao mesmo tempo masculino e feminino. Tudo o que é feminino é ao mesmo tempo feminino e masculino.
henrique: “retorno à barbárie, à brutalidade da linguagem do pensamento” é uma nostalgia (já chateia a palavra mas…) de fascínio artaudiano a la “vagabundo da verdade” (Kerouac), que é o encanto pelo selvagem pré-simbólico; que no equivalente ortodoxo católico se molda no mito da Queda (o Paraíso Perdido: quanto mais “para trás” mais próximo do Paraíso). Ou seja, versão hippie e ortodoxia católica partilham o mesmo fascínio pela “sabedoria” (ironia minha) pré-simbólica, com a diferença de que no primeiro caso o “pecado” é pensar (entrar no domínio do simbólico) e no segundo o “pecado” é conhecer (a carne; pelo que é de evitar pensar com a cabeça e pensar com o corpo). Ambos cometem o erro de ver transcendência (trans-simbólica) onde apenas se encontra o pré-simbólico (falta de pensamento – aquilo a que Artaud chama, entusiasticamente, “corpo”; e falta de conhecimento – que os ortodoxos religiosos chamam, excitadamente, “virtude”).
E isto tem tudo a ver com Saussure. O “vagabundo da verdade” e a ortodoxia católica são da mesma escola de Saussure. Todos os três têm um “significado transcendental” (significado no sentido do par significante/significado, e mais): os primeiros, a “pureza” selvagem; os segundos o “bem” ou a “verdade”; o terceiro, a suposição do tal “significado transcendental”, independente da sua relação com um sistema de significantes. Este “significado transcendental”, escusado será dizer, é uma especiezita de deus.
Rui Costa
O q eu acho, Henrique, é q as palavras têm sexo, partido, quotas sindicais, preconceitos e convicções, e que por sua vez negoceiam todos estes créditos culturais e ideológicos. E q só tomando consciência disso é q depois se pode tentar a barbarização de q falas. Mas ainda bem q tudo isto é discutível e chocalhável. E até tem graça, porq ao contrário de ti, sou uma pessoa religiosa, pelo menos no sentido etimológico de re-ligar as coisas; sim, para ultrapassar o tal dualismo. O que não implica 1 nem 2. Eu não acho que haja uno, acho que há plural (acho q no princípio era o caos e não o verbo, o verbo só apareceu com o pensamento e a ordenação, daí ser tão carregado de ideologia e dos próprios restos que que não lhe interessavam ao esquema), mas procuro achar pontos de quasi-intersecção, ou reunião, com jeito. O que não elimina a discórdia, mas pode discordar-se e conviver-se, creio.
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