3.11.06

[Livros] [Hábitos]

Parece-me sempre ofensivo recusar um livro que alguém se oferece para me emprestar. Por isso nunca digo que não, sabendo, à partida, que dificilmente irei lê-lo. Não consigo ler um livro sem riscá-lo, isto é, sublinhá-lo, anotá-lo, senti-lo também como uma espécie de identidade com a qual me é permitido dialogar. Por isso prefiro que não me emprestem livros. Não conseguirei lê-los porque não me acharei no direito de riscá-los.

Também fico desconsolado quando desconheço o ano em que um autor nasceu. Isto porque organizo os livros nas estantes cá de casa pela data de nascimento dos autores. Poesia de um lado, narrativa e teatro do outro. Há ainda uma estante para a filosofia e para o ensaio. Quando arrumadas, as estantes cá de casa são um belo ensaio acerca da memória. Os autores, assim expostos cronologicamente, escudam as antologias do esquecimento.

Não consigo deixar livros a meio. Se começo uma leitura é para levá-la até ao fim. Gostava de conseguir abandonar um livro passadas meia dúzia de páginas lidas com sofrimento. Mas não consigo. Antes de acabar um livro tenho sempre a esperança de poder vir a encontrar, senão uma frase, pelo menos uma palavra que me interesse, uma touchstone. Pode acontecer-me começar um livro e parar porque outro se intromete no caminho. Mas, mais tarde ou mais cedo, retomo a leitura do primeiro e termino-o. Por exemplo, um livro que me custou muito ler, não me perguntem porquê, foi O Monte dos Vendavais. No entanto, valeu o esforço. Mais que não fosse, por esta frase:
«Acredito que os mortos ficam em paz, mas não se deve falar deles levianamente.»

4 Comments:

At 12:51 da tarde, Anonymous Anónimo said...

A relação que cada um de nós tem com os livros é pessoalíssima e dava um romance; no entanto, como em todos os amores reconhecem-se alguns traços comuns. Por exemplo: sim, é feio recusar um livro, no meu caso, não porque o queira sublinhar, mas por outras fortes razões.

 
At 10:11 da tarde, Blogger Maariah_r said...

Também não gosto que me emprestem livros. Por acaso não tenho o hábito de sublinhá-los, se bem que umas vezes por outras isso acontece. O que eu costumo fazer é pôr Post-it, dos pequeninos nas páginas que eventualmente mais tarde gosto de voltar a saborear.
E esta é a principal razão: se eu quiser voltar a ler determinada passagem?

Por experiência sei que se gostar de um livro que me tenham emprestado mais tarde acabo por comprar.

 
At 4:32 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Partilho...do acto de escrever e de sublinhar os livros. SEmpre tive que sofrer um pouco com isso.SE não da parte dos amigos, da parte dos professores e é não é muito agradável quando te fazem sentir mal porque andas sempre de marcador enquanto lês...aliás, o acto de leitura para mim é sempre acompanhado de algo que sirva para marcar o que estiver a ler. Partilho...da história de não se deixarem livros a meio..mesmo quando se está apaixonado e a meio da (grande)tarefa que é ler o "Vermelho e Negro" de Stendhal...aconteceu-me há uns anos...perdi a paixão e só depois encerrei a sua leitura.
Até próximas leituras.

 
At 12:36 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Obrigado pelos comentários.

 

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