The Drift
Missão árdua, mas não impossível: tentar penetrar a música do mais recente álbum de Scott Walker. Noel Scotty Engel (n. 1943) conseguiu bastante sucesso a solo na década de 1960, com quatro discos em nome próprio que são do melhor que se possa imaginar. À época o tom era de crooner iniciado na temática existencialista, com canções abordando filmes de Bergman e livros de Camus. Em registo pop, usando e abusando de orquestrações romanticíssimas e arranjos algo pomposos inspirados em Bacharach e Morricone, Scott Walker foi um profeta da melancolia, um vidente, uma espécie de ícone entre as hordas de neo-depressivos com queda para as artes. A desgraça viria na década seguinte, com um Scotty cada vez mais ensimesmado, exilado, dedicando-se ao estudo do canto gregoriano, tentando suicidar-se. A esquizofrenia outrora implícita era agora o dado mais explícito na sua vida e, por consequência, na sua obra. Seguiram-se dois períodos mais extensos de hibernação, entre 1974-1984, 1984-1995. Foi precisamente em 1995 que dei conta da obra de Scott Walker, através do álbum Tilt, um objecto tão estranho quão cativante. The Drift mantém a linha de Tilt, embora me pareça bem mais perturbador. Publicado pela 4AD, é aquilo a que se pode chamar um álbum de terror, gótico até ao osso, com picos musicais aterrorizadores - onde entram sons de animais em agonia, grunhidos que associamos a seres misteriosos - e momentos de suspense, quase silenciosos. Há qualquer coisa de catártico na forma como aqui se expõem demónios, medos, pesadelos: cossacos em carga através de campos de rosas brancas, Palácios sombrios, crenças esotéricas, referências obscuras ao 11 de Setembro, situações claustrofóbicas, «nice girls turned into whores», sítios onde nascem crianças mortas, fantasmas, os tumores da actualidade acossando o peito de quem canta, Sudão, Milosevic, Calígula, um estômago a rebentar de não ter onde dormir, de não conseguir dormir, «you and me against the world». Termina com uma balada absolutamente genial, talvez a mais estranha dedicatória alguma vez cantada na história da música ex-pop: «This is / a waltz / for a / dodo / A samba / for Bambi / Gavotte / for the / Kaiser / Bolero / for Beuys / A reel / For Red / Rosa / A Polka / for / Tintin». Neste excelente sítio podem fazer muitas coisas boas associadas ao álbum.
6 Comments:
ouvi parte do álbum num posto de escuta da fnac em coimbra. fiquei mal disposto, enjoado. só tinha tido essa experiência a ouvir os death in june e os current 93. não comprei.
É o álbum do ano, mai'nada. E o regresso da 4AD aos grandes discos.
álbum do ano?! não será um pouco arriscada essa afirmação?
Ora essa! Arriscada porquê!? Outros dirão que é o último da Shakira, outros o dos Depeche Mode, outros os últimos trabalhos dos TV on the Radio, do Tim Hecker, e por aí fora... E todos terão as suas razões. Agora convenhamos que quando um álbum tem o condão de deixar alguém "mal disposto, enjoado", é porque já não se trata meramente de música, mas de qualquer coisa mais, certo...? Também tive experiência similar à sua com os Current e os Death in June, é curioso. Mas isso foi há muito tempo (embora ainda ouça a cada passo o "Imperium", o "93 Dead Sunwheels", o "Swastikas for Nody", o "Brown Book", o "But What Happens When the symbols shatter", etc). Depois disso já houve mal-estar e inquietação com o "Spears into Hooks" da Meira Asher, com o "Kadish" dos Towering Inferno e há bem pouco tempo com o "Human Animal" dos Wolf Eyes... Saudações.
ok. dito dessa maneira sou obrigado a concordar. sem dúvida, o facto de ter mexido comigo dessa maneira (ficar enjoado, etc) já revela alguma coisa. quanto aos currente e os death tive mesmo que dexar de os ouvir. os restantes não conheço, a não ser alguns temas de meira asher. mas prefiro a poesia sonora de américo rodrigues para expulsar demónios. ou para os convocar :)
Quanto a mim enjoado não será a palavra certa. Meira Asher, como Towering Inferno, este Scott Walker, outros, como diamanda Galàs, parecem-me mais perturbadores que enjoativos. Enjoativos são os Anjos.
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