LEITURA
Havia luz em uns instantes surgidos
Na minha vida,
Que a mesma vida apagava.
E a pobre realidade
Era uma cinza…
…Já nada me recordava
Se, de entre ela, uma faúlha
Não me queimasse os sentidos.
O fogo das queimaduras
É dor que nunca me passa!
E é esta que me ressurge
Um pouco dessa luz-alma
De tantos momentos idos…
A inquieta luz, sempre de agora,
Que ao mundo nada desvenda,
A mim diz certa verdade,
A chã naturalidade
Nas coisas vãs da legenda.
Talvez ninguém me acredite,
E se ria,
Quando grave eu me recite.
Mas recitar-me, cantar,
Mesmo cansada a memória,
Teria de acontecer:
É comigo,
Bem viva enquanto eu viver
A minha inútil história.
Na minha vida,
Que a mesma vida apagava.
E a pobre realidade
Era uma cinza…
…Já nada me recordava
Se, de entre ela, uma faúlha
Não me queimasse os sentidos.
O fogo das queimaduras
É dor que nunca me passa!
E é esta que me ressurge
Um pouco dessa luz-alma
De tantos momentos idos…
A inquieta luz, sempre de agora,
Que ao mundo nada desvenda,
A mim diz certa verdade,
A chã naturalidade
Nas coisas vãs da legenda.
Talvez ninguém me acredite,
E se ria,
Quando grave eu me recite.
Mas recitar-me, cantar,
Mesmo cansada a memória,
Teria de acontecer:
É comigo,
Bem viva enquanto eu viver
A minha inútil história.
Edmundo Bettencourt nasceu no Funchal em 1889. Partiu para Coimbra, onde estudou Direito, exercendo posteriormente funções públicas em Lisboa. Foi um dos fundadores da Presença - Folha de arte e crítica, em 1927. Em 1930 publicou O Momento e a Legenda, a sua primeira e solitária obra em mais de trinta anos, ao mesmo tempo que abandonava, juntamente com Branquinho da Fonseca e Miguel Torga, o movimento da Presença. Só em 1964 viria a publicar Os Poemas de Edmundo de Bettencourt, com um estudo de Herberto Helder. Também conhecido como compositor e intérprete de fados e canções de Coimbra - José Afonso considerou-o o maior cantor de sempre do fado de Coimbra -, Edmundo de Bettencourt morreu em Lisboa em 1973.
<< Home