53,5 MILHÕES DE EUROS
Segundo os situacionistas, o situacionismo não existe, é um vocábulo inventado pelos anti-situacionistas. Porém, existem situacionistas, ou seja, indivíduos que constroem situações. Importaria aqui clarificar esse conceito de situação, pois o próprio não se impõe com a clareza de uma ideia inquestionável. Na língua portuguesa o conceito é dúbio, mas na língua portuguesa situacionista é aquele que apoia a situação política existente. Seja como for, tomemos de princípio que um situacionista é um revolucionário, um indivíduo inconformado, rebelde, que procura de alguma forma agitar as águas paradas onde singram as ideias. Ou seja, exactamente o oposto do indivíduo conformado com a situação existente. Sendo assim, uma situação tanto pode ser, de um ponto de análise geográfico, o local onde algo se situa como, de um pronto de vista mais sociológico, um complexo de fenómenos que, entrecruzados, dão forma a um determinado estado de coisas. Uma situação pode ser, à maneira de Kuhn, um paradigma; e o situacionista será, então, aquele que constrói paradigmas. Mas os paradigmas que o situacionista gera só poderão ser antíteses dos paradigmas vigentes, pelo que, ainda à maneira de Kuhn, o situacionista é aquele que vive na e para a revolução, nesse momento extraordinário de experimentação, de confronto e de conflito, de rompimento, de fractura, de ruptura. O situacionista é pois, aquele que se localiza na erupção das situações. Os bons artistas são todos eles, de alguma forma, situacionistas. Isto porque os bons artistas, sejam eles poetas – todos os bons artistas são, de alguma forma, poetas -, músicos, cineastas, bailarinos, actores, etc., não convivem confortavelmente sem um permanente questionamento dos cânones. Os artistas cimeiros não se deixam sequer canonizar, as suas obras acabam sempre transcendendo a voragem aglutinadora dos poderes instituídos. O grande artista é o recluso que está em permanente estado de fuga, é aquele que grita, a plenos pulmões: «sumam-se, sumam-se, críticos de arte, imbecis parciais, incoerentes e divididos!» Neste sentido, paradoxalmente, pode parecer que o situacionista está em conformidade com os tempos modernos, na medida em que os tempos modernos são tempos de crítica ausente, são tempos de críticos sumidos ou subsumidos nos excessos de opinião, de criação, de mercado. Assim, a «crítica geral desta actualidade» em que vivemos não pode ser outra senão aquela que exige o retorno dos críticos, anseia pelo seu regresso, resiste a um futuro medonho em nome de um passado perdido. Os vanguardistas de hoje assemelham-se a nostálgicos de um tempo que passou, amedrontam-se perante a ausência de perspectivas presentes quanto a um futuro que temem venha a fazer tábua rasa de tudo o que não tresande a dinheiro, comércio e mercado, numa visão utilitarista da vida que usurpa a tudo o seu valor intrínseco . Porque o espectáculo que está montado parece já não poder vir a ser pior – onde tudo é espectáculo já nada é espectáculo -, sonha-se com um retorno aos tempos em que o espectáculo ainda emergia. Porque o que se tem hoje não é senão o que noutros tempos se desejou, uma anarquia imposta pela ditadura subjectiva do gosto. E essa anarquia só não se reflecte na esfera política na medida em que a esfera política ainda logra revestir-se de um discurso que ludibria o por demais evidente aos olhos de quem pretenda olhar para lá do seu umbigo: reinam os mais fortes, os mais fracos que se sujeitem. «A moeda é a obra de arte transformada em números», escrevia Asger Jorn em 1960. Tinha e tem toda a razão, conquanto a obra de arte seja também hoje em dia um número transformado em moeda. Sobre o porquê disso ser assim, o melhor é perguntarem aos críticos que sumiram.
2 Comments:
Tenho uma opinião diferente sobre o que é um situacionista.
Sempre o olhei como alguém que se aproveita das situações para ficar bem, sendo mais oportunista que revolucionador. E depois fica por ali a "espremer a teta da vaca até á ultima gota"...
Provavelmente sou eu que estou errado.
Segundo os situacionistas um situacionista é, e passo a citar: «Aquilo que se relaciona com a teoria ou a actividade prática duma construção de situações. O indivíduo que constrói situações. Membro da Internacional Situacionista.» in Internacional Situacionista, n.º 1, Junho de 1958.
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