Fragmento #55 – Germanwings
Voei para a Alemanha pela terceira vez, mais uma na germanwings, companhia aérea com sede em Colónia que tem uns preços inacreditáveis; nestes aviões os lugares não são marcados e é bonito observar os alemães que normalmente são arrumadinhos a acotovelarem-se para chegarem a tempo de se sentarem à janela; os alemães em férias são assim, a procura do melhor lugar com vista para as nuvens é a oportunidade anual de terem sexo e em Colónia um romeno ensinou-me que a palavra foder em alemão também significa voar – o Platão tem dedo nisto de certeza e eu não consegui fixar a palavra em alemão para foda, talvez por falta de interesse, desmemória ou estupidez. Desta vez fui à Alemanha ao casamento de uma amiga portuguesa com um alemão, ela já vive naquelas terras há catorze anos; não entendo porque é que as pessoas casam, acho o casamento um gueto de comodismo e entre uma portuguesa e um alemão é já um clássico – parece que ao contrário não resulta, as alemãs não querem casar, nem estão para aturar os portugueses. Quanto aos alemães, tenho a impressão de que quase todos sonham em arranjar uma portuguesinha para os servir, para subjugarem, porque as empregadas domésticas na Alemanha há décadas que são portuguesas; é verdade, eles têm essa ideia fixa que as portuguesinhas ainda cuidam deles, são boas domésticas, umas fadas do lar, sentem-se infelizes e desamparados com as mulheres rijas da sua própria nacionalidade, que se emanciparam há muito, bem antes das portuguesas, são independentes e não estão para os aturar. O caso da minha amiga não é assim, ela é uma mulher de negócios e o seu alemão nasceu em Portugal, viveu em França durante muitos anos e para além de falar fluentemente várias línguas parece latino. Eles vivem em Colónia que é uma cidade multicultural onde os alemães até falam inglês e são simpáticos, têm fama de gostarem de farra naquela cidade. A minha amiga vive entre duas culturas e tenho receio que o casamento a torne definitivamente alemã, de forma legal visto que também vai ter um filho alemão; e o alemão dela, apesar de parecer latino é um alemão. Na última vez que os visitei apresentaram-me um galerista que me relatou a sua paixão pela caça, foi engraçado, ele tinha uma propriedade onde organizava caçadas a javalis e depois vendia a carne dos bichos, era um modo de fazer dinheiro também, possivelmente, para apoiar artistas novos na sua galeria. A caça para ele era a única actividade onde estava concentrado sem pensar em mais nada, onde se desligava do quotidiano. Não quis saber das caçadas do dito cujo e expliquei-lhe que a única actividade onde me sentia noutra dimensão é a música, mas interpretar música de câmara é algo pacificador que nada tem de violento. Desta vez apercebi-me que o grande Reno é o pai de todos os alemães e nas suas margens vislumbrei uma Valquíria: estava sentada numa estação de serviço, na esplanada do café. Ela vestia-se de cabedal negro, era alta com porte altivo, muito elegante e tinha idade indefinida; o cabelo era cor-de-fogo longo e ondulado, tinha um rosto com feições finas, olhos azuis-escuros, profundos e os lábios pontuados de vermelho escuro. De repente levantou-se e dirigiu-se para uma mota de grande porte e dois alemães com estilo grávido de cerveja, provavelmente, os donos das BMWs estacionadas junto à sua mota tentaram meter conversa; ela foi-lhes respondendo formalmente, enquanto calçava as luvas e arranjava um lenço de seda em torno do seu cabelo cor-de-fogo. Os grávidos foram ficando nitidamente atrapalhados com o seu porte altivo e com o facto desta figura mitológica não se desconcentrar das suas tarefas. Finalmente, colocou o capacete e sentou-se na sua mota arrancando com classe. A valquíria seguiu o seu rumo no Vale do Reno, deixando aqueles dois típicos alemães sem saber o que fazer ou pensar.
Maria João
Maria João
4 Comments:
João, continua a história! Estava a ficar embalada com o porte atlético da Valquíria e das considerações sobre as ilusões dos alemães e depois, pumba, cortaste o caudal... Quero mais, conta mais!
bjo,
ritau
Também Rita, tenho aqui um labirinto que percorri nas ruinas do mosteiro onde viveu a Hildegarde von Bingen(freira muito malandreca), junto às celas da clausura do dito, tenho que contar essa.
Maria João
Embora isto do slang germânico seja de desprezível interesse, consta que "ficken" significa foder em alemão, e que "fliegen" que é sinónimo de voar tem alguma semelhança com o tal: pode muito bem ser.
"ein Fick" é mesmo uma foda em alemão, pese embora do género neutro que eles lá sabem da vida deles. Comparando com o muito mais simples to fuck ou ainda simplesmente a fuck, para quê complicar? Ainda existe a alternativa do "bumsen" (=foder em alemão) que parece ser mais onomatopaico em detrimento do "ficken"- é só escolher.
Acho que começava por V.
Maria João
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