10.9.07

AS MINHAS BRUXAS

Não percebo o estado a que chegou o meu país. Os juízes queixam-se das leis, os polícias queixam-se dos juízes, as populações queixam-se dos polícias, o Governo queixa-se das populações, a oposição queixa-se do Governo, os jornalistas queixam-se da oposição, os psicólogos queixam-se dos jornalistas, os artistas queixam-se dos psicólogos. Como é óbvio, ninguém se queixa dos artistas – essa praga de parasitas dispensáveis. Mas há os professores que se queixam dos alunos, os alunos que se queixam dos pais, os pais que se queixam do país. Toda a gente se queixa neste país, mas este país não se queixa de nada nem de ninguém. E quando pedem que se queixe de si próprio, ele prefere queixar-se dos outros. No fundo, ainda não saímos da Idade Média. Precisamos de bruxas para queimar na fogueira. Vamos buscá-las a qualquer lado e ateamos a fogueira com uma facilidade dos diabos. Depois venham os bombeiros apagar o fogo, enquanto se queixam da nossa incorrigível irresponsabilidade. Veja-se o chamado Caso Madeleine, sobre o qual não deveríamos ter nada a dizer e tudo a suspeitar. O que a prudência manda é consecutivamente substituído pela ânsia da especulação. Queremos bruxas para queimar na fogueira, chamem-se elas McCann, Murat, Polícia Judiciária ou imprensa. O que queremos é bruxas, voem lá elas nas vassouras que voarem. Seria bom que, por segundos, nos detivéssemos nos olhos daquela criança e perguntássemos, não onde pára o ursinho, mas onde pára o nosso bom senso. Como detesto expurgações públicas, prefiro acreditar que ele pára naqueles olhos como uma espécie de esperança perdida. Temo que esse bom senso esteja já morto e enterrado. E, com ele, os olhos de muitas crianças vivas, ainda agora nascidas, a brincarem aos mortos sem se darem conta, ingénuas que são, de que o futuro que as aguarda outra coisa não será senão esse mesmo jogo, mas com as regras dos adultos: o espectáculo das bruxas e das fogueiras. Por isso me incomoda que, enquanto andamos para aqui todos entretidos com o paradeiro do ursinho, ninguém, muito poucos, se lembrem que há à nossa volta todo um país de câmaras falidas, políticos corruptos, empresários sovinas, bancos rapinadores, gente adormecida, hipnotizada, falida.