O LIVRO QUE MUDOU A MINHA VIDA
Concordaria em absoluto com o Vasco M. Barreto, se ele acrescentasse um sexto género de posts, o chamado (agora por mim) post preconceituoso, que, não querendo parecê-lo, esconde nas suas entrelinhas o selo do preconceito. Aliás, o Vasco até é reincidente (o link que agora não abre dava para um texto onde se afirmava, mais coisa menos coisa, que o sonho de quem tem um weblog é escrever nos jornais). Mas antes de explicar por que julgo preconceituosa esta reincidência do Vasco M. Barreto, devo esclarecer que, na globalidade, concordo com o que ele afirma quando afirma o seguinte: Pessoas mudam vidas, mortes mudam vidas, catástrofes naturais mudam vidas, o azar muda vidas, a sorte também, uma doença tramada que se curou, um remorso profundo. Livros? Por outras palavras, foi o que eu próprio já tinha afirmado. Mas a resposta que a desconfiança seguinte - Alguém acredita que um livro nos mudou a vida? – sugere, não só é falaciosa como também preconceituosa. O Vasco parte do princípio, que é um princípio lá da fé dele, que tal coisa não seja possível. Mas a minha vida é a prova do contrário. Podia agora falar daquela vez em que a minha irmã, desgostosa comigo por eu lhe ter fanado a colecção de autocolantes, atirou uma Bíblia à minha pobre cabeça deixando-me mossas para a vida que são hoje por demais evidentes. Mas não. Falar-vos-ei, mais uma vez, de um livro que, sem dúvida, mudou a minha vida de forma radical. Refiro-me a Daqui Ninguém Sai Vivo, biografia de Jim Morrison, escrito por Jerry Hopkins e Daniel Sugerman. Está editado na Assírio & Alvim. Que me perdoem os frequentadores assíduos deste tugúrio por, mais uma vez, contar esta história. O Vasco merece-me o esforço. A mesma irmã que me tinha atirado a Bíblia ao cachaço, ofereceu-me este exemplar quando fiz 16 anos. À época, na Escola Secundária de Rio Maior, estudava eu com um curso de Economia em mira. É verdade. O problema, se o quisermos entender como tal, é que ao ler esta biografia do vocalista dos The Doors fiquei a saber da existência de uma série de gente que, para um rapaz de província, naquele tempo assim não tão longínquo, era, na mesma medida, uma miragem e uma excitação. Foi através daquelas páginas que cheguei a Kerouac, Rimbaud, Ginsberg, Baudelaire, Ferlinghetti, entre outros, como um filósofo alemão de nome impronunciável. Questionado sobre a personalidade do tal Friedrich Nietzsche, o meu professor de Filosofia de então botou-me nas mãos um volume da Aurora. Ainda hoje o guardo religiosamente. Essa Aurora resultou no curso de Economia mandado para as ortigas, transferência para humanidades, licenciatura em Filosofia. E agora ando para aqui, desempregado, mas feliz da vida por poder partilhar estas aventuras de um jovem provinciano com vossas excelências. O Vasco dirá que eu sou a excepção que confirma a regra. Talvez tenha razão. Talvez não.
7 Comments:
Se és uma excepção eu junto-me a ti. Também a mim um livro mudou a vida e não porque fosse o melhor livro que já li ou o mais bem escrito, mas porque abriu portas para novos livros, para a descoberta de novos escritores, porque foi o início de uma busca. É também esse o maior mérito do teu blog: abrir enormes e convidativas portas. Obrigada por isso. Eu entro.
Magda
sinal das humanidades e de que as circunstâncias são às vezes rotundas (dessas que, quem sabe?, símbolos para os futuros nos lerem e saberem, multiplicam pelas estradas do país) - sinal de, dizia, quase igual. A idade: 14; o livro: o mesmo; os outros nomes: blake e mais unsinhos. As diferenças: a do tal nome estranho estar na biblioteca por ler de um avô (neste caso guardo religiosamente alguns livros que me dei, talvez por consciência já da sucessões naturais); a de esperar por, em dois anos de um curso de gestão, frequentá-lo por dois meses, e só então dar com a senhorita sofia, sempre observada, mas à distância, como quem não quer nada com ela.
a parte do emprego é a parte em que me vã à bolsa.
é que um livro não é um livro: é alguém a ler um livro.
um abraço, e boas estórias.
Dizer que um livro não muda a vida é ser sobretudo ignorante. Desconhecer que há fanáticos seguidores e intérpretes de um Livro, chamado, por exemplo "Corão", que até deita torres gémeas abaixo.
E já agora esse vasquinho nem sonha que a leitura do romance "Werther" do grande Wolfgang Goethe - o tal do "Fausto" - provocou, à época na Alemanha, grande número de suicídios.
E esta palermice digna da geração "morangos com açucar" é tão ridícula, que nem merece uma visita ao blog.
O. Tanas
E as músicas que ouvi e me mudaram a vida? acontece-me com mais frequência que os livros e até de um modo mais imediato. Afinal, contigo tudo começou porque ouvias os "The doors".
Maria João
Passando por outro blog, percebi quem foi o autor da peregrina ideia dos "livros que não mudaram a minha vida".Uma palermice. Pois os imensos "lights" e outros excrementos que não li, propositadamente, nunca poderiam ter mudado a minha vida.
Uma bizantinice pedante, em suma.
O. Tanas
é engraçada essa mania de que quem escreve nos blogs quer escrever nos jornais. Claro que os há, e não é defeito. E há quem escreva nos blogs porque não quer escrever nos jornais
E depois os livros mudam a nossa vida, claro. Mais que não seja naqueles casos em que nos temos de endividar mais à banca para comprar uma divisão para guardar a "biblioteca" doméstica (do T2 para o T3 e assim seguindo, consoante o número de filhos e/ou de tralhas). "Mais que não seja" ... digo eu
Magda, então junta-te. Obrigado.
Bruno, «um livro não é um livro: é alguém a ler um livro». Gosto disso.
O. Tanas, quem diz o Corão diz a Bíblia, embora seja curioso que se diga tantas vezes o Corão e tão poucas vezes a Bíblia. Pelo menos é assim deste lado do muro.
Etanol, as músicas também nos mudam a vida. Os livros são música.
JPT, também gosto disso: «há quem escreva nos blogs porque não quer escrever nos jornais».
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