OS 10

A corrente iniciada pelo manuel a. domingos tem surtido (não gosto desta palavra, mas foi a que me surgiu) efeitos curiosos de explorar. Respostas humorísticas mais vulgares seriam citar o livro de cheques ou o livro de recibos verdes. Não me debruçarei sobre elas. Mas há algumas menções que mereceriam, pelo menos, um ensaio do professor Gil. Caso da quantidade de vezes que o Ulisses, de James Joyce, é referido. O mesmo para livros de Agustina e Sebald. Isto só pode significar que estes livros são bons, pois um mau livro passaria despercebido. Na verdade, partindo da interpretação que faço do desafio lançado pelo manuel, os livros que não mudaram a nossa vida são aqueles que nos defraudaram nas expectativas sobre eles criadas. Quanto aos outros, pura e simplesmente nos esquecemos deles. São-nos indiferentes. A muita gente o Ulisses não terá sido indiferente. Por isso o citam tanto. A mim não foi. E como não tinha gerado expectativas sobre ele, não me decepcionou. Antes pelo contrário. Posso afirmar que é mesmo um dos 10 livros da minha vida. Não me mudou a vida, está claro. Mas, como disse, só um livro me mudou verdadeiramente a vida. Ou dois. Contudo, ter escolhido especificamente aqueles 10 como "representantes" dos livros que não mudaram a minha vida, revela que havia sobre eles expectativas que saíram defraudadas. Este pormenor torna os livros que não mudaram a nossa vida um doce paradoxo. É que, na verdade, esses livros mudaram a nossa vida. Na medida em que nos ensinaram a lidar com os livros, com o que se diz acerca dos livros, com as expectativas criadas sobre os livros, com os cânones, com uma certa ditadura de gosto imposta por uma intelligentzia para a qual os bons livros são quase sempre os livros insuportáveis pela maioria.