UMA CRÓNICA DE VPV
A corrupção do Estado
A entrevista que João Cravinho deu na última quinta-feira é indispensável para perceber a corrupção. Cravinho diz duas coisas de uma importância crucial, em que esta coluna tem de resto insistido. Primeiro, que o grosso da corrupção “se faz” com uma ou outra “entorse” imperceptível, “de acordo com a lei”. Segundo, que por isso mesmo a polícia e os tribunais não podem ir longe e só se ocupam de casos menores. No fundo, o Apito Dourado e as operações do género sai um espectáculo, que esconde os crimes de consequência. Com grande coragem Cravinho explica qual é o problema: o problema é o de que certos lobbies se apoderaram de “órgãos vitais de decisão” do Estado ou de departamentos que as preparam. Ou. Se quiserem, o de que o Estado se tornou o principal agente de corrupção. Isto significa não que o Estado serve, não o interesse do país, como compreendido por este ou aquele partido, mas sim o interesse de lobbies com mais poder ou influência. E, no entanto, nunca se fala disto, embora toda a gente o saiba ou suspeite, a começar pelo presidente da República, porque os “negócios” conseguem inspirar um respeito e um temor que, por exemplo, o futebol não consegue e que manifestamente coíbem a imprensa e a televisão. O que se passa no interior de certos ministérios de que depende a orientação da economia nunca chega à rua. Como nunca chega à rua quem perdeu ou ganhou com os “projectos”, que o Estado autoriza ou financia. Ou quem é e donde vem o impecável pessoal que manda nisso tudo. Ainda anteontem o dr. Cavaco exigiu novas leis para assegurar o que ele chama a “transparência da vida pública”. Infelizmente novas leis não bastam. Cravinho descreve o “choque” que sofreu com a complacência do PS perante a corrupção do Estado. Sofreria com certeza um “choque” igual, e talvez pior, no PSD. A verdade é que o “bloco central” se fundiu com o Estado. Não existe um Estado independente do “bloco central” e muito menos dos “negócios”, que o apoiam e sustentam: da banca e da energia, a quatro ou cinco escritórios de advogados. Cravinho, como Cavaco, não percebeu, ou preferiu omitir, que hoje não se trata de reformar uma parte inaceitável do regime, mas pura e simplesmente de mudar o regime. Se, por acaso caísse do céu a “transparência” que o dr. Cavaco deseja, metade da primorosa elite do nosso país marchava para a cadeia como um fuso.
5 Comments:
Independentemente de concordar ou não com o que foi escrito, em política é sempre assim: quem é que ligava ao Cravinho quando ele tinha "algum peso"? Estou farto deste joguinho do gajo (sempre o gajo, o salvador da pátria) que é que era bom, o que lá devia estar, o aquele é que sabe... mas quando o gajo lá estava, ninguém lhe ligou, ninguém achou que sabia, ninguém achou que aquele é que era o gajo...
É uma forma fácil de atacar uns sem valorizar os outros - aliás algo que, penso, caracteriza muito bem a política portuguesa, especialmente a direita.
Não importa se ele teve peso ou não. Ou se tem peso ou não.
O que importa é que a análise que ele faz e as conclusões que tira são certas e reais.
O resto é irrelevante, é atirar poeira para os olhos das pessoas. Ou seja, é desculpabilizar o estado de arbítrio e corrupção que o regime estabelece como natural.
Cravinho? Pouco me importa. O que importa é a realidade dos factos que se descrevem.
Que é como um punho certeiro.
No queixo de quem se serve do alibi de atirar características(!)para cima de uma presuntiva direita. Como o intuito que se percebe.
A análise que ele faz e as conclusões que tira são certas e reais, mas são certas e reais há muito! E são ditas, por ele e por outros, há muito.
Todo o alarido à volta do que foi dito não passa de uma tentativa de tirar dividendos políticos. Daí a minha crítica a uma parte do espectro político.
Pensava que a crítica à esquerda era demasiado evidente, mas aqui fica: o PS mandou embora uma voz incómoda!
Sejamos todos vozes incómodas, então.
Saibamos ser, já que os políticos não o sabem.
Atentemos nisto: não é uma questão de inflexão, mas uma questão de salvação.
Sem cinismos, nem hipocrisias: de salvação de pessoas, de salvação de uma comunidade vilipendiada por canalhas e sevandijas que nos chantageiam moral e civilmente.
E se nos chamarem ingénuos saibamos, com dignidade e altivez, cuspir-lhes na cara. Sem nos deixarmos ficar reféns de bandidos cheios de retórica.
Tenhamos a coragem de falar alto e claro, de agir alto e claro.
Já passou o tempo das finezas que, na verdade, camuflam esperada colaboração com os que tripudiam sobre os seres, que são de carne e osso e têm direito a que não os esfolem miseravelmente.
Se Portugal é um prostíbulo pseudo-democrático, mudemos o regime.
Sem ter medo das palavras. E isso é Democracia.
Digamos que estamos no reino da pândega democrática. A João Cravinho
não basta parecer sério, é preciso sê-lo. Como é que ele se aguenta no partido? Ah, sim, a reserva moral estratégica, já sei dessa cantata, digo-o antes que me ponham um mp3 nos ouvidos com ela.
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