AS ESCOLHAS DE MARCELO
Tenho andado a esforçar-me para perceber as razões da ansiedade que há muito me aflige, uma ansiedade que tem vindo a transformar-se, muito sorrateiramente, em melancolia e, nos seus instantes mais graves, inexorável depressão. Descobri ontem que Marcelo Rebelo de Sousa é uma dessas razões. Todos os domingos, enquanto aguardo o Diz Que É Uma Espécie de Magazine, obrigo-me a escutar o professor. É um momento de angústia que não se compara sequer à extensão dos intervalos da TVI. Durante os intervalos, o telespectador descontrai, olha par ao lado, sonha, pensa na vida, desliga-se, adormece. Com o professor isso é impossível, já que o professor irrita-nos como uma espécie de ruído permanente do qual não nos conseguimos abstrair. Acontece-me, por vezes, quando vou a conduzir reparar num qualquer ruído. Meto-me a desconfiar de uma avaria iminente, depois penso num qualquer objecto estranho colado ao carro, suponho hipóteses várias que, no seu conjunto, não passam sempre de hipóteses com um único sentido: irritarem-me. O mesmo sucede quando ouço o professor Marcelo. Repare-se que até podíamos ver na sua performance uma espécie de entrada ao humor dos Gato Fedorento, mas desde que comecei a frequentar restaurantes de qualidade que sou muito exigente com as entradas. O professor não chega sequer a ser uma azeitona deslavada, um pacote de manteiga insossa, ele é mesmo a pior entrada que uma refeição de riso pode ter. Escuto-o como quem observa o tipo da frente na fila para o Multibanco. Insere o cartão, engana-se no código, volta a inserir o cartão, levanta dinheiro, não se conforma com o saldo, volta a inserir o cartão, faz uma consulta de movimentos, demora-se a verificar os movimentos, volta a inserir o cartão, faz um carregamento de telemóvel, e nós para ali à espera como quem desespera. O professor Marcelo é, sem dúvida, o tipo que está à nossa frente na fila para o Multibanco. Ainda por cima lembra-me um House arrumadinho, de barba feita e bem penteado, aprumado na indumentária, profundamente desinteressante e entediante na prosa. As pessoas arrumadinhas são sempre desinteressantes. A verdade é que nunca lhe ouço nada que valha a pena ouvir, fala muito por gestos, é bastante expressivo, inclina-se para cima da mesa como quem ataca o vazio com ainda mais vazio, tem aquilo a que os incultos gostam de chamar o dom da palavra. O dom da palavra, por outras palavras, é só tagarelice. O professor é isso mesmo, um tagarela. Opina acerca de tudo, faz previsões, dá notas, ainda sacode a ponta da língua, no final, com umas curtas que são, geralmente, favores que o professor faz aos seus acólitos ou, na pior (melhor?) das hipóteses, correcções das bacoradas da semana anterior. Já não há pachorra para As Escolhas de Marcelo, que estão neste momento para a opinião política como o vinho a martelo está para a vinicultura.
7 Comments:
é só retórica. também não tenho paciência para o ouvir. mas pronto... lá tem que ser
Este tb escolheu uma palavra?
Ò Henrique! Eu gosto de ver o Marcelo. Sobretudo porque de vez em quando podemos apanhar um desabafo como o q ele fez ontem: "Eu sinto-o entalado." (podes confirmar no site da RTP)
Mas confesso q gostei muito mais de ouvir a Manuela Azevedo a cantar uma canção com a palavra "chóriço".
Marcelo está à altura dos inenarráveis gatos fedorentos. Ou seja, os gatos fedorentos estão à altura do inenarrável Marcelo. Ou melhor, o Marcelo e os gatos fedorentos, ou os gatos fedorentos e o Marcelo estão à altura uns dos outros.
O humor a que temos direito. Quer dizer: a tristeza de que, com efeito, somos merecedores. Porque consentimos que esta malta fedorenta, nefanda, nos ande a fazer cócegas, ou na alma ou na falta dela.
...E não se pode ferrar-lhes um tiro?
manuel, tem?
rui, essa é boa. não tinha dado por ela.
O que me encanta mais é a facilidade com que ele, de um domingo para o outro, lê aqueles livros todos.
mas rápido que a
própria sombra
Enviar um comentário
<< Home