BRINDEMOS
Não há fome que não dê em fartura, dizia o povo viciado de esperança. Mas, por este andar, não haverá fome que não dê em mais alguns milhões, para juntar aos 55, que sobrevivem abaixo da linha da pobreza. É verdade que a linha da pobreza não é a mesma para todos. Há gente que cose as bainhas da fome com linhas imperceptíveis, outras, mais exigentes, optam pelo tricotado a duas agulhas. O que se torna de todo imperceptível é que, insensíveis à fome, os nossos patrões da miséria ainda se dêem ao desplante de brindar, em taça de cristal, ao que apenas eles saberão merecer tal brinde. Mais cuidado com o respeito pelos direitos humanos, não será certamente. Não houve tempo. Isso mesmo, entre tanto tema urgente, não houve tempo para discutir a questão dos direitos humanos. Não é difícil compreender que assim seja, pois que importância poderá ter a questão dos direitos humanos entre uma caterva de animais? Se a gente não os respeita, serão eles, lá na indolência da sua bestialidade, a respeitarem-nos a nós? Não creio. O que importa é declarar conjuntamente interesses estratégicos, o défice comercial, o sucesso do banquete. Humanos? Direitos? Meus amigos, isso são chichas para canhão. Vamos mas é pôr as mãos ao trabalho, que é como quem diz pôr as manápulas sobre quem trabalha. Pouco barulho, ó vagabundos deste mundo, para quem o tempo é de fartura e a fartura não vicia. Brindemos pois ao sucesso de quem nos manieta, isto a vida não está para brincadeiras. Brindemos a Pequim e a Bruxelas, brindemos à brucelose, à ASAE, ao H5N1. Brindemos ao Natal que se avizinha e adivinha repleto de tralha made in China, brindemos às mãozinhas frágeis de quem manufactura a tralha, brindemos aos dedos de quem costura as dobras da nossa alegria com linhas tão dignas de serem brindáveis.
2 Comments:
Porreiro, pá! (O teu texto, é claro). E o resto é conversa.
Porreiro, pá, para ti também.
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