NO LABIRINTO
Dizes o mar e vejo um espaço aberto, contando histórias no ombro da tarde. Em Nice, na distância luminosa da voz. E a coragem. Os risos da criança entrelaçados no intenso sono da terra, quando da água nascem lábios espessos. Levo os olhos para o sítio do sol. Agarro-me às palavras, interrogação circular onde a pele tem o estremecimento de país novo. O estar na sondas como em campo aceso, de olhos no longe. A simetria dos gestos, mãos confundidas à distância, em busca, em fuga despudorada. Húmida crispação da voz ao telefone, frente ao mar:
- Olha, em Nice o horizonte é mais azul…
Aqui, as montanhas entram-me pelas narinas, pela fímbria dos desejos. Com as botas enterradas na neve fresca, as mãos mergulhadas no sonho, alguém diz:
- São lindos estes Pirinéus selvagens…
Grave ainda esta água de preâmbulos, as visões secretas de bichos, em tangentes noites de biografia inventada. Claro, a articulação lógica do discurso, o enunciado que se recusa… mas estás frente ao mar, cheira a algas, a fascínio. Oiço-te nas pedras, nas aves, ao longo das falésias. Como falamos no limiar de Outubro em nostalgia matinal? Como bebemos pela taça do silêncio as palavras sulfurosas? Prendemos a respiração – ouves o grito? – e, no interior da casa, as paisagens aquecem o segredo, como um voo frágil, triunfante. Entro no labirinto, na escrita, como em barca conduzindo ao abismo, à procura da fulguração. Debruço-me na janela, já noite fechada, e canto baixinho, a ver as luzes, os espaços interditos. Não espero nada, não exijo nada, sobretudo recuso o definitivo. O céu avermelhado cobre-me a voz de poalhas incandescentes. Estou sozinha no futuro. O que é o futuro?...
Que pena o teu silêncio e o desenho dos dedos a doer no sangue o destino das palavras. Comunicamos mas exprimimo-nos cada vez menos. As mordaças. As amargas recordações de nevoeiro sobre a página. Dizer-te o quê? As mãos crescem dentro das sílabas, misturam os sons, confundem as cores mais íntimas do sentido.
Na estrada de Orthez, um rapaz pendurou-se numa árvore e ficou longamente a olhar o opaco desenho da morte. À volta do corpo voavam arestas de silêncio porque o abandono era a única evidência repetida.
Peço-te a pequena mudez que irradia no espelho da angústia, o quotidiano começar onde tudo acaba. Até abrirmos os pulsos, para vermos ressuscitar o tempo.
- Olha, em Nice o horizonte é mais azul…
Aqui, as montanhas entram-me pelas narinas, pela fímbria dos desejos. Com as botas enterradas na neve fresca, as mãos mergulhadas no sonho, alguém diz:
- São lindos estes Pirinéus selvagens…
Grave ainda esta água de preâmbulos, as visões secretas de bichos, em tangentes noites de biografia inventada. Claro, a articulação lógica do discurso, o enunciado que se recusa… mas estás frente ao mar, cheira a algas, a fascínio. Oiço-te nas pedras, nas aves, ao longo das falésias. Como falamos no limiar de Outubro em nostalgia matinal? Como bebemos pela taça do silêncio as palavras sulfurosas? Prendemos a respiração – ouves o grito? – e, no interior da casa, as paisagens aquecem o segredo, como um voo frágil, triunfante. Entro no labirinto, na escrita, como em barca conduzindo ao abismo, à procura da fulguração. Debruço-me na janela, já noite fechada, e canto baixinho, a ver as luzes, os espaços interditos. Não espero nada, não exijo nada, sobretudo recuso o definitivo. O céu avermelhado cobre-me a voz de poalhas incandescentes. Estou sozinha no futuro. O que é o futuro?...
Que pena o teu silêncio e o desenho dos dedos a doer no sangue o destino das palavras. Comunicamos mas exprimimo-nos cada vez menos. As mordaças. As amargas recordações de nevoeiro sobre a página. Dizer-te o quê? As mãos crescem dentro das sílabas, misturam os sons, confundem as cores mais íntimas do sentido.
Na estrada de Orthez, um rapaz pendurou-se numa árvore e ficou longamente a olhar o opaco desenho da morte. À volta do corpo voavam arestas de silêncio porque o abandono era a única evidência repetida.
Peço-te a pequena mudez que irradia no espelho da angústia, o quotidiano começar onde tudo acaba. Até abrirmos os pulsos, para vermos ressuscitar o tempo.
Maria Graciete Besse nasceu em Junho de 1951, em Monte de Caparica. É licenciada em Românicas e doutorada em Literatura Portuguesa, na Universidade de Poitiers. Professora catedrática, tem vasta obra publicada no domínio do ensaio. Publicou ainda alguns livros de ficção. Na poesia, estreou-se em 1983 com Rosto Sitiado.
<< Home