INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #3
CONTENTOR CRIOL
Trazia um fogo lá atrás e ele
à frente trazia outro. Aquecemos
a emoção e um café na boca
do gás à cabeceira do divã, onde
um saco cama com pó de cimento
esperava os nossos gestos usados.
Pregámos o tempo da obra
dos nossos segredos na parede
do contentor – a que disse a partir
dali ser também casa minha
– junto à foto do Grace Evora,
colada ao lado do caco do espelho
salpicado de creme de barbear
e cagadelas varejas.
E tud vez kno incontra
el ta torna nasce cantou o outro
enquanto ele foi-me fodendo
os ouvidos com as suas histórias
crioulas de ter quatro mulheres
e sete filhos numa ilha coalheira
onde a fome seca a água pouca.
À nossa frente a Cruz de Pau.
Ao longe, muito ao longe,
Santo Antão, antecipando
a sombra da saudade. Dela
ficou até hoje a herança
o doce voo do pássaro
que avistámos
de mãos dadas, num fim
de tarde a separar-nos
até outro dia
um dia que nunca chegou.
Jorge Aguiar Oliveira
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