25.4.08

25 DE ABRIL SEMPRE

Há tempos, durante um almoço de família, indaguei os mais velhos sobre aquele tempo. Tia minha, à terceira frase de recordações recalcadas, desatou a chorar. Habituei-me a ouvir falar daquele tempo com lágrimas nos olhos. Não são lágrimas de saudade, sentimento que dizem ser muito português, sentimento que julgo sempre demasiadamente português. Também não são lágrimas de alegria. São lágrimas de uma dor que ficou. A minha irmã mais avançada na idade costuma dizer que não guarda uma única boa memória da infância, que era tudo pobreza e privação. Nem quero imaginar o que possa ser isso de não guardar boas memórias da infância. Acredito nos que me são próximos, acredito na sinceridade dos testemunhos e na autenticidade das lágrimas. Vivia-se para ter o que comer, algo que vestir e pouco mais. Comia-se mal, vestia-se pior e pouco mais. Hoje, enquanto percorria os corredores do Fluviário com a mais pequena ao colo, reparava nas espécies em vias de extinção e pensava como em extinção parece também andar o bicho da memória. Quando esta gente desaparecer, quando aqueles que me contaram como foi desaparecerem, como vai ser? Tem-se feito pouco pela memória da miséria porque, apesar de tudo, ainda nos vamos entretendo muito com as probidades do mundo moderno. Ah! E as faltas, as terríveis faltas deste mundo moderno. Também pensei nelas enquanto me empanturrava num ensopado de borrego e numa garrafa de vinho branco. E, pelo jantar, voltei a pensar nisso enquanto me empanturrava numa espetada de lulas acompanhada de cervejinhas fresquinhas. Os restaurantes estavam cheios, o Fluviário estava cheio, os parques estavam cheios, dezenas de adolescentes bem vestidos, bem tratados, pareciam também estar cheios. Mas cheios de quê? O Presidente da República queixa-se da memória dos nossos adolescentes. Eu, que ainda tenho alguma memória, queixo-me de um Presidente da República que nada fez para combater essa desmemória enquanto foi, durante 10 anos, primeiro-ministro. Mas não me queixo, não me posso queixar, de ter tido hoje um dia que os meus pais jamais poderiam ter tido quando tinham a minha idade. Basta-me essa constatação simples para gritar, a plenos pulmões, mais uma vez e sempre: viva o 25 de Abril.

7 Comments:

At 1:52 da manhã, Blogger Diogo said...

Meu irmão, meus parabéns a todos os lusos por mais um 25 de abril, mesmo que de recordações sombrias. Cá no Brasil, sequer temos uma data para comemorar a instauração do regime democrático. Pra te ser sincerto, sequer temos motivos para celebrar nossa falsa democracia. Cá, alguns lembram-se do funesto 31 de março, quando apoiados pelos norte-americanos, os militares derrubaram o presidente João Goulart. Mas não há um dia especial para o fim do tenebroso tempo ditatorial. Cá, poucos se lembram do próprio João Goulart.
Mais uma vez, parabéns por mais um 25 de abril.

 
At 12:39 da tarde, Blogger hmbf said...

E nas rádios, por cá, voltou a ouvir-se o Chico Buarque cantar Tanto Mar:

Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim

Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim

* Letra original,vetada pela censura; gravação editada apenas em Portugal, em 1975.

 
At 1:30 da tarde, Blogger ana salomé said...

entendo bem. *

 
At 4:46 da tarde, Anonymous Anónimo said...

25 de Abril ,pensamos que para sempre,que seja para sempre,sempre!

 
At 2:18 da tarde, Blogger MJLF said...

25 de Abril Olé!
:)
Maria João

 
At 5:23 da tarde, Blogger hmbf said...

Ana, ainda bem.
Anónimo, sempre.
Etanol, olé.

 
At 3:43 da tarde, Anonymous Anónimo said...

VIVA!
MF

 

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