12.5.08

INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #44

JOANINHA CENTIMETROSEXUAL


Ao sentar-me à sua frente, a visão
começou a abrir, trazendo de volta
uma outra primavera. Pressenti a fezada
da musculosa joaninha, de eu vir a ser
o próximo cais para poisar a noite.
Fingi ler um falso jornal imparcial gratuito
e não perceber o desejo. Sacana, pousou
todo o olhar para mostrar os rios de sangue
que trazia nas pupilas e me culpar de ser
cúmplice no pressionar do gatilho,
tantas vezes como passos dei ao redor
do coração pregado ao embondeiro
a sangrar no ferido escuro do túnel.

Que diferença havia entre o sangue
dos ditos meus (assim quer, assim seja)
e dos seus, dissolvendo-se nas águas
do tempo e da morte ainda a boiar
nos rios da sua rica terra de fome brutal?

(mais tarde contou-me de uns cães
deliciando-se com cadáveres caídos
entre os escombros da capital animal.
Corriam quatro patas com cinco dedos
negros nos dentes artéria abaixo.
Entretenimento arrepiante nas noticias
das vinte ao jantar com bitoque
sem bife nem ovo a cavalo )

Esse seu olhar banalizado
roubou brilhos à minha vida.

Continuando a jogar à sedução
atrapalhámos os espantalhos
que entravam na carruagem do metro
em hora de ponta, onde as falas são
fardos de palha seca perfumados
de olhares corroídos de dúvidas.

A sua carne trazia um nome
as cuecas escondiam o inferno.

Quando encostou o ténis à minha
alpercata, segundos antes de chegar
ao Senhor Roubado, percebi que
a estrela estava disposta a despir
a t-shirt, descruzar a catana da roda
dentada e a vestir a minha pele

dentro da noite a rasgar todas as noites.


Jorge Aguiar Oliveira