11.5.08

MUDA DE VIDA...


Há coisas das quais não gostamos à primeira. Acontece com a sopa, com a areia na praia, com a cerveja, acontece muito com a expressão dos homens, com algumas canções, poemas, pinturas. Com o tempo, aprendemos a gostar de algumas dessas coisas. Talvez o tempo nos ajude a gostar de outra forma. Mas só aprendemos a gostar de outra forma se tivermos essa vontade, se olharmos para fora de nós e nos entregarmos à agitação do mundo circundante. Não é fácil, sairmos assim de nós. Exige-nos uma certa predisposição. Há quem passe a vida, há quem passe pela vida, sempre irremediável e fatalmente dentro de si próprio, desistido à partida dos outros, do lado de fora, do que está para lá de ser descoberto. Alguns homens julgam ser uma questão de coerência a domesticação dos sonhos, outro modo de ser servil, como se fosse possível agarrar o vento, como se fosse possível olhar sempre da mesma maneira para o mesmo lugar. Desconhecem a força do esquecimento, esse remédio das memórias aquilatadas, desconhecem o sopro acurado da velhice, uma certa quietude que a idade impõe ao corpo. Porque não há como fugir à idade. Os hindus chamam nirvana àquele estado em que um ser já não está submetido à mudança. Nisto, sou completamente heraclitiano. Ou, como diria o nosso Luís Vaz, «todo o mundo é composto de mudança». Portanto, não me venham cá com conversas de coerência quando outra coerência não é possível senão a que se fundamenta nesta predisposição para a mudança. É verdade que o “cata-ventismo” é muito útil nos tempos que correm, é uma atitude proveitosa em certos circuitos e quase sempre em concordância com as exigências do mundo moderno. Mas não é de cata-ventos que falo. Refiro-me a coisas bem mais simples. Não me refiro a mudar de clube, algo sempre muito improvável. Não me refiro a mudar de ideologia, algo não tão improvável mas, ainda assim, não muito frequente. Não me refiro a mudar de religião, o que é sempre possível mas pouco usual. Nestes exemplos, quem muda converte-se ou reconverte-se. Eu pretendo referir-me a questões que não exigem esse acto de penitência implícito na conversão. Aprender a saborear um prato que se detestava, começar a vestir uma cor que se achava repelente, passar a apreciar banhos de sol, passeios na areia da praia, quando a beira-mar não ia além de uma cerveja numa esplanada com vista para o oceano. Falo de coisas simples, de pequenas mudanças, de afinações no gosto, de ajustamentos que, muito provavelmente, todos nós vamos realizando ao longo da nossa vida mas que raramente assumimos. E porquê? Talvez porque a mudança, à excepção de casos muito particulares, transpareça uma certa maleabilidade de espírito que pode confundir-se com oportunismo. E muitas vezes, de facto, a mudança não transpira senão oportunismo, arrivismo, indigência, aquela volubilidade típica dos cata-ventos. Vem esta conversa toda a propósito de Our Love To Admire, o álbum dos Interpol que me desiludiu e no qual ando agora viciado.

6 Comments:

At 3:17 da tarde, Blogger maria said...

muito bom, Henrique.

Nem imaginas os sacríficios que passei antes de gostar de favas, pimentos, coentros (até posso dizer que passei fome). Nestes tempos são das minhas maiores delícias gastronómicas.

Quanto à religião, não é preciso mudar. Permanecer na mesma exige uma conversão constante. Só assim se aprecia devidamente.

 
At 3:31 da tarde, Blogger hmbf said...

Tive uma experiência semelhante com os pimentos. Saúde,

 
At 5:40 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Execente post!

 
At 6:19 da tarde, Blogger scaramouche said...

parabéns pelo blog.

 
At 1:53 da tarde, Blogger MJLF said...

Em relação às favas também mudei, mas as iscas, não gosto delas desde pequena, tal como a missa e os padres.
:)
Maria João

 
At 12:42 da tarde, Blogger hmbf said...

Anónimo e Scaramouche, obrigado.

Maria João, adoro iscas. Com e sem elas.

 

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