9.5.08

INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #43

DEI POR ISSO… SÍLVIO VARTIN



PRIMAVERA

Chegou de novo a Primavera.
Dei por isso ao avistar as andorinhas
em voos empalhados decorando o ar
no Centro Comercial. Havia abelhas
felpudas e borboletas de arame espetadas
em malmequeres de esferovite e
outras flores estranhas sem nome.

Numa montra, esbarrei nas joaninhas
em pasta de papel passeando num plasma
com desconto a transbordar de programação
ansiolítica. Um moço, com tiques de robot
e de ganga arregaçada, chinelava
na distracção enquanto não chega ao tempo
do desalento em que se enforcará numa
horripilante gravata. Até ali se misturou
em plena primavera o inverno em saldos.
Uma vara de criancinhas carecas
desafinavam canções cujos pólens
arrepiavam até os cabelos do cu.
Parámos para ver as amendoeiras em flor
em fotografia gigante.


VERÃO

Conchas e peixes de cartolina e vinil
agrafados à memória antes dos calções
justos provocarem roçando no meu olhar
ao passar. Um sol gigante, girando
por cima da escada rolante. O calor anda
pelos fatos de banho na areia das montras
e o manequim segura um desejo meu
e uma prancha de surf. Com os ouvidos
pulverizados de palavras desapaixonadas
vindas de gente que herdou a traição
a Viriato e só tem garganta.

Segui banhando-me nas ondas de prata
e luz que me cegavam o olhar cego
pela lembrança de um voo
de gaivota a morrer a meus pés
apodrecendo de feridas sem passos.

Sem praias nem desertos de verdade
como podemos enamorar-nos
por uma luz... mesmo que morta?


OUTONO

Cheirava a castanhas assadas e não era
impressão minha. Folhas de plátano
pintadas em tons secos suspensos
ao vento condicionado nos céus
do C. C.. Estávamos no Outono. Dei
por isso depois. Árvores de jornais
rompiam das montras entre peles
de lontras e sapatos de crocodilo.

Um ordenado mínimo Nacional é de
300 euros. Indignou-se com o preço
dos sapatos para cavalheiro na montra
que era de 700 euros. Porca miséria.
A revolta ficou-se por um bafo quente
na vitrina, a reflectir pegadas gigantes
de solitários monstros.

Um sobretudo, umas luvas e
um chocolate quentinho são desejos
á espera de um dia.
Gela a alma, faz frio no olhar.


INVERNO

Pingos de chuva desenhados em papel
cenário por detrás de homens e mulheres
em massa multicolor. Está na moda.
Bolinhas de esferovite são neve e um boneco
de neve ergue um desconto de outono.
Tudo está fora de tempo. Fazemos sky
com o olhar nos contornos da serra
dos corpos que vão passeando a matar
o tempo do tempo do vazio. Um pai
natal tradicional segura um bacalhau
de plástico, com renas na etiqueta.

Sentado vi-o passar com tudo a arder.
Assobiei-lhe com o olhar e convidei-o
a secar aquela mágoa na fogueira
que acabara de acender, com as palavras
que me restavam e beber um copo
com o veneno do amor.

Já podres de bêbados olhámos o céu
e eu chorei. Lá andavam saltitando
entre raios e trovões
os olhos de quem amei.


Jorge Aguiar Oliveira

2 Comments:

At 1:30 da tarde, Blogger L. said...

hey man

ontem vi um livro do jorge aguiar oliveira à venda, na ler devagar ao lado da galeria zé dos bois, no bairro alto

homens sem soutien????

diz lá - recomendas a leitura?

 
At 2:06 da tarde, Blogger hmbf said...

Recomendo sim senhor.

 

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