7.5.08

INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #42

FARRAPO DE TEMPO



É uma catástrofe
o cheiro contagiando a lembrança
do toucinho na salgadeira, além da pele
crestada pelos murmúrios da solidão
ser real. Do tronco seco da árvore morta
o paciente abutre observa.
Já lhe devorou os limos dos sonhos,
e espera o minuto-chave da agonia
em que o seu corpo partilhe
com a sucata a merda das moscas.
Sorrindo, pisca o olho ao abutre
a virar o olhar para a mentira do infinito.

Tira a navalha do bolso das calças
e desenha riscos de desolação,
golpeando a pulsação dos dias sem horas,
sem curvas, num tronco de pinheiro
prestes a arder nas labaredas das suas mãos
abandonadas. Depois lança o olhar no espaço
tão perto do sol e quase cega
antes de poisar o olhar no pulso
para ver quantas horas tinham passado
mais só por vício. O ponteiro dos segundos
parou há muito no emaranhado cabelo branco.
Mingua à fome e à tristeza.

Na semana passada avistou um comboio
carregando séculos de arrepios de medo
à deriva na seara. Na anterior, um avião
surgiu das silhuetas de lendários heróis,
revolveu o lixo do céu e foi
lançando à seara
corpos caídos em combate
por causa alguma, senão a ambição
da posse do trono do poder
dum chanfrado formado
numa universidade americana.

Não conseguindo sugar a água
das raízes, bebe o sangue
que urina. Pensou partir o vidro
da moldura com o rosto do meu amigo
e seu companheiro, para cortar os pulsos
mas teve medo
que nesse instante alguém surgisse
e – maldito! – o salvasse.


Jorge Aguiar Oliveira