6.5.08

O OUTRO LADO DA QUESTÃO

A ausência de espírito crítico que pulula (gosto desta palavra) no nosso país é proporcional à ausência de espírito autocrítico. Talvez exista ainda menos espírito autocrítico. As pessoas tendem a julgar os outros com enorme facilidade, tendem a julgar o mundo à sua volta na base de meia dúzia de lugares comuns, mas raramente conseguem olhar para si próprias com indiferença, raramente conseguem reconhecer os seus defeitos, as suas fraquezas, as suas falhas. Somos muito ligeiros na denúncia dos problemas dos outros, somos muito exigentes com quem nos é distante, mas muito pouco rigorosos com o que nos é próximo. À partida, isto inquina (também gosto desta) tudo. Devíamos ser mais exigentes com o que nos é próximo, para, desse modo, irmos melhorando, pouco a pouco, o mundo à nossa volta. Tomemos de exemplo esta coisa da escrita. Lembro-me disto por causa dos tomates do manuel a. domingos, os quais me enviarem para os tomates da mãe do poeta. Não me intriga que exista tanto escrevinhador. O que me intriga é que tanto escrevinhador ambicione publicar livros. Afinal de contas, por que razão há-de alguém querer publicar um livro em Portugal? A hipótese de se ganhar dinheiro com o objecto é tão ínfima que chega a ser ridícula. Sobretudo se falarmos de géneros menores e sempre impagáveis como é o caso da poesia. Esta hipótese fica, desde logo, de lado. Um outro motivo pode ser o prestígio. No entanto, só um estúpido pode sentir-se prestigiado por ter publicado um livro. Que os amigos e os familiares nos digam que somos grandes escritores é uma inevitabilidade. É para isso que são nossos familiares e amigos. Mas pouco mais gente nos lerá e aqueles que nos lerem serão meras vítimas de grandes equívocos, pois provavelmente não lhes passará pela cabeça que perder tempo com um livro de um jovem autor significa não ganhar tempo com um clássico da literatura universal. E há tantos por serem lidos que até mete dó. Ainda para mais, vivemos num país exíguo. Logo, o prestígio também estará fora de questão. A única razão, o único motivo, é mesmo a vaidade, aquela vaidadezinha de se ver o nome numa capa, numa estante de uma livraria, de, com sorte e engenho, ser-se chamado às páginas de um jornal ou de uma revista especializada, de aparecer na televisão com aquele ar pacoviamente culto da mão a apoiar o queixo. É esta vaidade caricata, esta pretensão absurda, que move grande parte dos escrevinhadores candidatos a escritores. Não conseguem olhar para certos tipos que são realmente cultos, inteligentes, sofisticados reconhecendo que não são assim. Olham os outros com uma inveja dissimulada, não conseguindo olhar para si próprios com uma verdade humilde: porra, aquele tipo é mesmo culto, como eu gostava de ser assim, por que sou tão estúpido, não, não sou nada estúpido, estúpido é aquele presunçoso da treta que está para ali a falar como se fosse muito culto e todos os outros à sua volta fossem uns pacóvios, ah, a mim não me enganas, o que tu queres sei eu bem. Falta-lhes o tal espírito autocrítico. A ausência deste espírito, que também se nota em milhares de pseudo-artistas de todos os géneros e feitios, cantores de levar ao desespero um surdo, pintores que, num meio minimamente exigente, nem para pintar paredes (coisa que exige a sua arte, eu que o diga) serviriam, a ausência deste espírito crítico, dizia, é o que explica essa vaidade sem sentido. No fundo, são indivíduos sonhadores. Olham-se ao espelho, todos bexigosos, e julgam-se as carinhas mais larocas do universo. Só vêem músculo onde não há senão celulite. Querem ser artistas à força toda, nem que, para isso, tenham que deitar abaixo florestas inteiras. Serão sempre génios incompreendidos. E nem se atrevam a dizer o contrário. Eles vão chamar-vos nomes, vão insultar-vos, completamente autoconvencidos dos méritos que não têm.

36 Comments:

At 11:49 da tarde, Blogger Fernando Vasconcelos said...

Por outro lado a vaidade também é o espelho de se gostar de si próprio e isso também nos faz falta. Prefiro de longe uma pessoa convencida que acredita no que faz, mesmo que seja muito mau, do que um frustrado que só consegue ver miséria e maus artistas (e não estou a falar de si convém salientar porque nisto da escrita convém ser preciso). Até porque esta história da arte e do que é bom e mau tem o seu quê de relativo. Note que não discordo daquilo que disse. Apenas me parece que afinal existem mais do que dois lados da questão.

 
At 12:29 da manhã, Blogger hmbf said...

Caro Fernando, pode discordar à vontade se for caso disso. Repare que este post não é sobre os vícios e as virtudes da vaidade, assim como não adopta nenhuma postura dualista acerca do bom e do mau (embora, pessoalmente, não julgue que o bom e o mau sejam tão relativos como por vezes se pensa e diz). Este post é mais uma perspectiva irónica sobre as razões que sustentam a ambição de publicar um livro, nomeadamente a ausência de espírito autocrítico. Agradeço o seu comentário.

 
At 8:13 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Caro henrique
depois de o ler, como sempre faço e com gosto, uma pergunta me apareceu:
- em que grupo você se inclui, o dos escritores justamente publicados ou o dos escrevinhadores que tal não merecem?
È preciso que se publique o máximo para que o futuro possa escolher o que é bom!
Mais grave são autores cujo mérito excepcional já foi reconhecido e que agora andam pela rua da amargura.

 
At 9:16 da manhã, Blogger hmbf said...

Ora aí está. Já sabia que me iam fazer essa pergunta. E também desconfiava que fosse feita anonimamente. É fácil de responder: não sou escritor. É certo que tenho livros publicados. Posso explicar a história de cada um deles. Quando publiquei a «Antologia do Esquecimento», onde reuni a chamada juvenilia, tinha dito para mim mesmo que nunca mais ia publicar um livro, que não valia a pena. Desde logo, porque não gosto do que escrevo, acho que não tem qualidade que justifique a publicação. Até que um dia um editor entrou em contacto comigo para publicar as «Estórias Domésticas». Eu estranhei aquele contacto. A história já foi contada, não me vou repetir. Seja como for, o que interessa é que se não houvesse ninguém interessado por aquilo, aquilo nunca teria sido publicado. Havendo alguém interessado, então nada justifica que não se publique. Algo parecido se passou com «O meu cinzeiro azul». Depois de muito me terem atazanado para pôr os textos em livro, entrei em contacto com o Vítor Vicente da Canto Escuro e perguntei-lhe se ele estaria interessado. Ele disse que sim. Ainda esperou quase um ano até que eu lhe entregasse o livro, pois muita foi a minha hesitação. Fizeram-se uns livritos, poucos, num projecto editorial praticamente desconhecido, com uma distribuição rudimentar. Se aquilo que lhe preocupa é o meu caso, retire daí o sentido caríssimo anónimo. Não sou escritor, não me considero escritor, não quero ser escritor e estou-me nas tintas para se publico ou não livros. Essa vaidade não só não me toca como não me estimula minimamente. Se vier a publicar mais livros, e olhe que propostas não faltam, há-de ser sempre porque alguém mostrou interesse nisso e, muito dificilmente, porque eu julgue que eles merecem ser publicados. Porque uma coisa é sermos autocríticos, atitude que nunca me faltou, outra coisa é sermos arrogantes. É bom que se estabeleçam limites entre ambas as coisas. Penso eu de que. Obrigado pelo comentário.

 
At 9:23 da manhã, Blogger hmbf said...

Outra questão que importa esclarecer: não estabeleço dicotomias entre escritores justamente publicados e escrevinhadores que não merecem sê-lo. Nem sequer me refiro a merecer ou não merecer ser publicado. Isso é tudo muito subjectivo. A minha interrogação é anterior a isso, isto é, o que leva alguém a ambicionar ser escritor ou desejar publicar livros? Muitas editoras estão atoladas em originais que um pocuo de sentido autocrítico e mais exigência levaria os autores a terem vergonha do que escreveram. Isto é um facto.

 
At 11:57 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Se alguém não gosta do que escreve e mesmo assim atende a "solicitações" deveria ter no mínimo vergonha e dizer humildemente apenas não. Também não se compreende que uma pessoa que assim pense continue a escrever um blogue. Quem não acredita no que faz não pode ter depois a falta de verticalidade ou incoerência de consentir na sua publicação. Para quem assim pensa sobre si, só deveria fazer uma coisa: queimar. Ou dizer como Bartleby: preferiria não escrever. Gustavo Fernandes (anterior anónimo, por descuido).

 
At 12:08 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Touché! Jogo, set e partida para Gustavo Moreira fernandes.


Jorge Melícias

 
At 12:09 da tarde, Blogger Fernando Vasconcelos said...

Pois eu penso que as motivações para a escrita podem ser várias, não forçosamente a fama. Penso também que quando publicamos devemos acreditar no que escrevemos. Não tem de ser forçosamente grande literatura mas temos (devemos) acreditar que terá uma função, uma utilidade qualquer.
E se essa utilidade for apenas para nós, para satisfacção do nosso ego, não vejo à partida nada de errado nisso, desde que claro como disse seja genuíno, que acreditemos no que fizemos.

 
At 12:18 da tarde, Blogger hmbf said...

Gustavo Melícias, Gustavo, essa é a sua perspectiva. Espero que não leve a mal que outros tenham perspectivas diferentes da sua. Voltando a sublinhar que o que está em causa é a necessidade de sermos exigentes connosco próprios, muito mais do que com os outros, exigência essa que é muito saudável e deveras “importante para o bom funcionamento das instituições”, coisa que vai faltando cada vez mais, rebato as suas afirmações explicando o que, parecendo-me obvio a mim, poderá fazer alguma confusão a quem, como o Gustavo, aqui vem ler o que escrevo. Eu não gostar daquilo que escrevo não impede que outros gostem. Quem sou eu para negar o gosto dos outros? Quem sou eu para justapor os meus critérios aos critérios dos outros? Se há quem aprecie, tenho eu o direito de negar a essa pessoa a justeza do seu gosto? Julgo que não. O que isso possa ter que ver com escrever um weblog é nulo. Um weblog é um diário aberto, uma forma de comunicação, de partilha de interesses, opiniões, perspectivas, um espaço democrático de debate, uma oficina de escrita. Ninguém precisa de gostar do que escreve, a ponto de se julgar escritor, pretender sê-lo ou desejar publicar livros, para escrever um diário. Que não lhe passe pela cabeça que haja pessoas que escrevem sem outra razão que não seja o não poderem deixar de escrever, é-me compreensível. Mas não aceito que negue esse direito a alguém. Há pessoas que têm hortas só para se entreterem, sem ambicionarem ser agricultores. Ainda no fim-de-semana passado reuni-me com uns amigos para umas guitarradas. Não julgo que em algum de nós exista a ambição de sermos músicos, estrelas do rock, editarmos um disco. As pessoas não correm para serem atletas. Penso que isto é muito fácil de entender. Talvez o que lhe seja mais difícil de entender se deva a uma enorme confusão que você está a fazer entre não acreditar no que se faz e não gostar do que se faz. Eu acredito que escrevo, e até acredito em algumas pessoas que me dizem que escrevo com qualidade, e até posso acreditar em algumas pessoas para as quais sou escritor, até já me chamaram grande escritor… Ora bem, quem sou eu para duvidar da honestidade das pessoas que assim falam sobre mim? Agora de um ponto de vista meramente pessoal, isso não me pode iludir. Antes de escrever, eu leio. Leio muito. Tenho as minhas referências. Se escrevo um livro que não está pelo menos ao nível de não envergonhar os livros que mais aprecio, então não posso considerá-lo um bom livro. Repare que não há nada de original nisto. Se você tem o hábito de ler, não lhe será difícil descobrir escritores, pintores, músicos que eram muito críticos do seu trabalho. Tenho quase a certeza que você aprecia imenso alguns deles. Ah! de facto preferia não escrever, preferia nunca ter aprendido a ler, assim como preferia não respirar. Odeio-me. Odeio-me sobretudo porque sou cobarde. Quero matar-me e não consigo. Alguém que me ajude, por favor. Alguém que me dê um tiro. Obrigado pelo comentário.

 
At 12:34 da tarde, Blogger hmbf said...

Jorge Moreira Fernandes Gustavo Melicias, você até podia ser um tipo porreiro. Mas vê tudo nessa perspectiva do jogo, do set, da vitória, da derrota, da competição, o que é simplesmente chato.

Faltou-me dizer algo que acrescento agora em resposta ao Fernando. Não se trata de fama. A fama, em Portugal, é uma coisa insultuosa. O Ruy Belo tem umas afirmações curiosas sobre esse assunto. A motivação que eu ponho aqui em causa é mesmo a vaidade, a mera vaidade. Não tem nada que ver com fama. Você já reparou na quantidade de gente que paga os seus próprios livros, que dá dinheiro a editores manhosos só para ter o gosto de ver o seu nome na capa de um livro? Há gente que paga balúrdios para se ver editada. Isto revela o quê? Uma fé inabalável em si próprio? No caso da poesia o assunto ainda é mais gritante, pois o número de leitores é exíguo, os autores praticamente nunca recebem o que quer que seja pelo trabalho que têm, muitos pagam os livros não só com a obra mas com dinheiro dos seus próprios bolsos. Óptimo, excelente para essas pessoas. Estão no seu direito. Não critico ninguém por isso, penso apenas que se fossem um pouco mais críticos acerca do seu próprio trabalho não agiriam como agem. Seriam mais poupados nos custos, se me permite a ironia. Estamos a falar de publicar livros mas podemos falar de muitas outras actividades, o que se calhar até seria preferível. A música é também um excelente exemplo. Mas o que queria acrescentar prende-se antes com essa questão da satisfação do ego, de acreditar que tem uma função. Caro Fernando, não há mal nenhum, acho eu, em as pessoas pretenderem satisfazer o ego. A questão é mesmo essa. No fundo, é isso que eu digo. Tudo não passa de uma questão de ego, de vaidade. Eu não digo que exista mal nisso. Só digo que se houvesse mais autocrítica, as pessoas tenderiam a satisfazer o ego de outra forma, chegariam à conclusão que mais valeria investirem noutras actividades. Mas isso é lá com elas, obviamente. Cada um sabe de si, do que lhe é útil ou não.

 
At 12:39 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não faça tanto esforço para se enterrar. Deixe apenas que o seu pensamento siga o seu curso natural. Essa humilíssima postura de "eu-estava-só-no-meu-canto-entretido-com-os-meus-botões-e-os-outros-é-que-disseram-que-eu-era-genial-atente-se-bem-que-eu-não-queria" não lhe veste bem. Sobretudo a sí, que sobranceiramente olha e discorre sobre tudo. "Tá de tanga", utilizando uma expressão que lhe é cara.


Jorge Melícias

 
At 12:49 da tarde, Blogger hmbf said...

O Jorge Melícias, que já deve ter escrito uma boa dezena de vezes que nunca mais aqui voltava, o Jorge Melícias, que afirmava dar a cara por tudo quanto escrevia, o Jorge Melícias, que tem esta nobre inclinação para embicar com miseráveis como eu, o Jorge Melícias, que não sabe discutir nada senão na base dos preconceitos acerca de quem não conhece, o Jorge Melícias, para quem tudo é um tribunal da inquisição e ele o inquisidor-mor, julga-se no direito de julgar os outros, o que eles são ou o que deixam de ser, na base de nada. Caro Jorge, não se trata de “humilíssima postura”. Trata-se da verdade, pergunte a quem de direito. Quanto a discorrer sobre tudo, está enganado. Discorro sobre o que, enquanto cidadão, me é dado o direito de discorrer, independentemente dos julgamentos milicianos que sejam proferidos acerca das minhas perorações. E você gosta, porque amiúde regressa. Mas olhe que há mais marias. Milhares de blogs neste país discorrem, e ainda bem, sobre o que lhes dá na real gana, sem outra intenção que não seja discorrer. Ao contrário de certos arrivistas, que nunca dão ponto sem nó. Obrigado pelo comentário.

 
At 1:42 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Duas coisinhas:


Essa sua mania de confluir todas as críticas que lhe são dirigidas para a minha pessoa peca por ser, acredite-me, redutora e falaciosa.
A velha técnica de aglomerar nomes que nada têm de comum a não ser o facto de discordarem de si, fica-lhe mal pela inverdade. Nunca precisei de "outros" para lhe dizer do meu desacordo. Deixe-se, pois, de "brincadeirinhas". O Sr. Gustavo Moreira Fernandes será, por certo, o Sr. Gustavo Moreira Fernandes. Ele próprio, se assim o entender, poderá facilmente disso dar conta.

O outro aspecto para o qual lhe gostaria de lhe chamar a atenção é o seguinte: ambos temos por hábito defender as nossas "damas" com fervor, chegando por vezes aos limites da arrogância. Mas, e ao contrário de si, eu sou um pecador assumido. Não procuro diluir as minhas faltas com arremedos de balofa humildade. Quer-me parecer que também em si eles resultam pouco credíveis.

Quanto ao facto de ser reincidente no "insónia" defendo-me com a verdade: gosto de o ler, a si, (subscreva ou não o que diz) e o seu blogue é dos mais vivos e estimulantes desta nossa "paróquia" cibernética.

Jorge Melícias

 
At 1:51 da tarde, Blogger hmbf said...

Há uns anos, entrevistaram-me por causa disto dos weblogs. Disse qualquer coisa como isso: é um brinquedo para gente adulta. Entretanto as coisas mudaram, é certo. Mas eu gosto de continuar a brincar. Ter juntado os nomes, perdoe-me o cinismo, simplifica as respostas. O Gustavo criticou e o Jorge sublinhou o Gustavo. Não havia razão para responder em separado.

Sem querer ser lamechas, damas tenho só duas: a Matilde e a Beatriz. A elas claro que defendo com fervor, o resto é conversa para entreter os dias, sem grande utilidade. Ninguém nos ouve, ninguém nos lembrará. O Jorge não me conhece. Não pode dizer se eu sou humilde ou se não sou humilde. Quem me conhecer que o diga, que ajuíze por si próprio. Olhe, a minha mãezinha, diz antes que eu sou um simplório. É assim a vida.

Agradeço a sua verdade, a qual muito me envaidece. Volte sempre.

 
At 2:01 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não teria vergonha de ver o meu nome ao lado de alguns poemas publicados por Jorge Melícias, eu um simples leitor, mas não concordo com a mania da perseguição do senhor fialho. Eu não sou o Jorge Melícias. Sou apenas o Gustavo Moreira Fernandes, jardineiro em Santarém porque não consegui emprego em nenhuma escola, apesar de licenciado em Ensino.
O que me parece relevante nesta questão da publicação/não publicação é o seguinte: qualquer autor/escritor tem o direito de se publicar, desde que acredite no que faz (se paga essa publicação do seu bolso, ninguém tem nada a ver com isso, excepto talvez as árvores que deram o papel); o mérito de um escrito, embora possa ser reconhecível, é muitas vezes discutível e-portanto- o melhor é que se publique e deixar à posteridade a possibilidade de escolher; quanto à edição não-de-autor, é bom que se esclareçam critérios e de uma maneira hipócrita não se diga que se publicam génios ou coisa parecida quando na verdade apenas se publicam amigos ou pessoas influentes ou pessoas a quem se devem favores. Na literatura como em muitas coisas neste país também há tráfico de influências.

 
At 2:18 da tarde, Blogger hmbf said...

«Mania da perseguição do senhor Fialho». Sim, é o que tenho mais é a mania da perseguição. Por isso é que tenho um weblog, por isso é que dou sempre a cara pelo que faço e escrevo, por isso é que me exponho. Olhe, faço-lhe um desafio: amanhã vou a Santarém pela manhã encontrar-me com um amigo editor. Quer aparecer para bebermos um café?

Quanto ao resto, em praticamente nada discordo, pelo que não percebo a divergência. Vejamos:
1. «qualquer autor/escritor tem o direito de se publicar, desde que acredite no que faz» Concordo com a primeira parte, discordo da condição. E se não acreditar naquilo que faz, não tem esse direito?
2. «o mérito de um escrito, embora possa ser reconhecível, é muitas vezes discutível e –portanto - o melhor é que se publique e deixar à posteridade a possibilidade de escolher». Isto é conversa de editor e não de leitor. Claro que o mérito de um escrito é discutível, mas nem sempre o melhor é publicar. Voltando a um exemplo pessoal: há muitos anos enviei um livro para várias editoras. Duas fizeram-me propostas de edição completamente insidiosas, as quais recusei. Todas as outras recusaram publicar o livro, pelo que lhes fiquei muito grato. O livro era, sem dúvida, motivo para muita vergonha futura. Curiosamente, um dos editores que o recusou é, hoje em dia, um grande amigo meu. Há escritos que, de tão obviamente maus, o melhor é mesmo não publicá-los. Alguém no pleno das suas faculdades pode discordar disto? Um leitor minimamente exigente não, muito menos um editor minimamente exigente.
3. o último argumento carece de clareza: « quanto à edição não-de-autor, é bom que se esclareçam critérios e de uma maneira hipócrita não se diga que se publicam génios ou coisa parecida quando na verdade apenas se publicam amigos ou pessoas influentes ou pessoas a quem se devem favores». Se bem entendi, a ideia é que os editores esclareçam critérios de edição para, assim esclarecidos, não andarem a vender gato por lebre. Mas que diabo… Não será direito também dos editores publicarem aquilo que bem entendem, até não terem critérios alguns, mesmo que só queiram publicar amigos, pessoas influentes, pessoas a quem devem favores, etc? Não percebo por que é que se há-de recusar esse direito a alguém. O investimento é deles, eles é que sabem.
A conclusão é óbvia e, mesmo não tendo nada que ver com o post aqui em causa, merece-me este comentário: em tudo há tráfico e tráfego de influências, até nos sentimentos mais nobres. O que infelizmente falta mais, e aqui volto ao assunto em causa, é espírito autocrítico. Podia dar vários exemplos, fico-me pela citação de um poema:

Hans Magnus Enzensberger
na Casa Pessoa
mostrou-se
muito pessimista
em relação
ao mundo
mas muito contente
consigo mesmo

Adília Lopes

 
At 2:57 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Henrique


Rodrigo, 9 anos, e Adriana, 5.

Tudo de bom para si e para os seus.



Gustavo


Obrigado pela consideração.


Jorge Melícias

 
At 3:12 da tarde, Anonymous Anónimo said...

as minhas plantas precisam de uma atenção demasiado importante para eu dispensar tempo em cafés.
o problema que se coloca é o seguinte: editores que dizem promover escritas geniais quando sabem promover pessoas influentes ou amigos ou indivíduos a quem devem favores. gostaria muito que todas as editoras, como os jornais, publicassem uma carta de princípios - e que a fuga à mesma fosse penalizada. se calhar sou demasiado bem intencionado, mas assim saberíamos com o que contaríamos.
quanto ao senhor fialho, estou-me nas tintas para a sua postura. apenas me repudia ver um indivíduo que diz não gostar que escreve e depois consentir que as suas coisas sejam publicadas. um homem vertical rasgaria tudo antes de fazer publicar fosse o que fosse.

 
At 3:13 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Quanto à adília é bem o exemplo da merda que por aí anda com odores de genialidade

 
At 3:34 da tarde, Blogger hmbf said...

«Apenas me repudia ver um indivíduo que diz não gostar [do] que escreve e depois consentir que as suas coisas sejam publicadas. Um homem vertical rasgaria tudo antes de fazer publicar fosse o que fosse».

O Gustavo ainda não percebeu que eu sou uma espécie de Vukcevic da literatura portuguesa, o qual afirmou, ainda há não muito tempo, não ver nem gostar de futebol. Gustavo, tentei levar minimamente a sério os seus ressentimentos. As suas palavras transpiram rancores recalcados. Você veio parar aqui por acaso? Ouça homem, não se atemorize com a liberdade dos outros. Vá para casa, tome um banho frio, dedique-se às suas flores, leia o Torga. E vem você para aqui lançar postas de pescada acerca de verticalidade, depois de fugir a um encontro olhos nos olhos, cara na cara com desculpas esfarrapadas! Você é gato escondido com o rabo de fora. Olhe, ontem esqueci-me de si na mesa do café. Por respeito, regressei lá hoje e fui procurá-lo. Antes não tivesse ido. Adeus.

 
At 5:41 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Acho bastante saudável, apesdar das esquírolas de osso que começam a saltar para cima de nós, este calor todo em se esventrarem as razões da escrita, com ou sem vaidade.
Faz falta que as pessoas, mormente as que têm dois dedos de testa como é o caso dos intervenientes mais acalorados, se estrafeguem, rebolem, estoirem vergas de um e de outro lado salvo seja.
Porque o grande mal é o cristianíssimo senso das conveniencias, aliás incrementado pelos "críticos" que se sabe, para que o país mental morra cagado de silencio e doçura puta.
Chamem-se nomes, partam os cornos uns aos outros, matem-se com os pim do Almada, mas não se calem nem sejam capados mentais, caralho!
Isso é que faz falta, depois de enterrados não mais podereis carcajar.

"Alegria enorme como os colhões de Hércules".

Popló

 
At 5:50 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Como é possível, numa discussão séria, citar-se uma autora do jaez parlapatão de uma adília lopes?
Que só num país abaixo de zero pode passar por algo mais que um zero pseudo-realista kitsch?
Perdeu-se o senso das proporções?
E a dita adilia devia ter um mínimo de senso ao citar Enzesberger. Isso é o mesmo que ver um pulgão sobre uma flor, ainda que carnívora.

Rabanete

 
At 7:33 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Que filme! Como é afinal o fim ? O Jardineiro escreve um livro? O Jorge Melícias lê poesia para as plantas do jardineiro? O Henrique leva as meninas para brincar no jardim?

 
At 8:11 da tarde, Blogger Vitor_Vicente said...

Eu escrevo por vergonha e edito por vaidade. Palavra de VV.

 
At 8:20 da tarde, Blogger hmbf said...

Popló, obrigado pelo comentário. Eu também acho a doença bastante saudável :)

Rabanete, discussão séria? Chegaste tarde, pá. Isto é tudo a reinar! A Adília é grande!

Sissi, na verdade o que nós queríamos era um piquenique no Pinhal de Leiria seguido de mergulho nas águas da Praia da Vieira. Beijinhos e saudades.

Vítor, Deus te pague. E os livreiros também.

 
At 11:04 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Oh homem não seja tão nervoso. Se quer mesmo encontrar-se comigo vá durante a semana, à noite, ter a minha casa no Beco dos Agulheiros, em Santarém. Podemos encontrarmos no café, único que lá existe. Mas dou-lhe um conselho de amigo: não leve tanta água benta; substitua por alguns sais de fruto.

 
At 12:14 da tarde, Blogger MJLF said...

Eu escrevo, pinto, faço escultura porque criar é o centro da minha existência, é o que eu sei fazer. Publicar ou expor é algo que implica um desejo: o de encontrar alguém que aprecie e comprenda o que faço, o desejo de partilhar. Só publiquei coisas pequenas, nunca fiz uma exposição individual. Das exposições em que participei que foram várias, não fiquei contente com tudo o que se passou, não houve ainda uma que me deixa-se verdadeiramente vaidosa e feliz, expor implica sempre um certo sofrimento, mas tive surpresas agradáveis, apesar de não ter vendido. Se algum dia publicar um livro, o que me move é a procura dessa partilha, até porque sei que não vai render dinheiro. Com as artes plásticas o mesmo. O que me move é acreditar no que faço, acreditar na criatividade. Quanto à qualidade, acho que o tempo é o melhor critico de todos, porque tudo é mesmo muito relativo.
Maria João

 
At 12:31 da tarde, Blogger MJLF said...

A criatividade, a reflexão, produzir alguma coisa no mundo em que vivemos é um luxo, implica tempo, no caso das artes plásticas implica gastar dinheiro em material e tempo, a escrita é mais barata nesse sentido. Acreditar nestas coisas talvez seja mesmo um absurdo.
Maria João

 
At 3:04 da tarde, Blogger L. said...

e eu já paguei para editar dois livros. contas feitas, recuperei sempre o que investi.

e a verdade é sim, esta:

amigos, quintinhas, simpatias, conveniencias, compadrios, pessoas conhecidas - são os principais critérios editoriais de poesia.

a edição é um território tão sujo como a especulação imobiliária. o mesmo aplico aos "donos da poesia" - que se arrogam o direito de a disciplinar, direccionar.

e quem ali muito em cima falou em sobranceria e arrogancia do dono deste blogue, melhor faria em ocupar as mãos com tricot. arre!

 
At 4:28 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Incorrendo no absurdo de falar para consoantes (ainda que maiúsculas) deixe-me acrescentar: "penico!".


Jorge Melícias

 
At 8:57 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Tem razão o José Melícias, a edição é um penico. Não digo isto a brincar é a sério.
Um penico daqueles grandes, como nas aldeias antigas. Um bispote, é isso.
E só quem tem tomates ainda por cima, como diz o Vieira Vicente, é que poetisa.
É que nem se pode agarrar por aí uns tomates, porra.

PENICÃO DE SOUZA

 
At 11:18 da manhã, Blogger MJLF said...

Este debate tem o seu que de absurdo: parece-me que se discute o sexos dos anjos. O mundo não é bom, isso já sabemos. Criar, produzir alguma coisa no meio disto é dificil, as condições do pais são precárias, isto não rende dinheiro,mas o que é importante, produzir, mesmo quando não ficamos muito contente com os resultados - eu raramente estou contente com o resultado final do que faço, mas mesmo assim vou fazendo e é sempre dificil fazer uma exposição porque acho que as coisas não estão terminadas. Mas não é por isso que deixo de produzir e mostrar. O envolvimento com o processo de produzir coisas causa-me muitos conflitos, mas também não é isso que me retira a fé nesta coisa da criatividade.
Maria João

 
At 11:28 da manhã, Blogger MJLF said...

No caso da escrita: porque é que se fica em casa tanto tempo a escrever e a refletir num pais onde se pode ir para a praia apanhar sol?
É coisa de patetas, quem o faz é porque tem fé nalguma coisa, mesmo que não esteja contente com o resultado da escrita.
:)
Maria João

 
At 4:19 da tarde, Blogger Unknown said...

Este texto - que gostei bastante - faz lembrar uma certa realidade num outro país. Ao autor, aviso desde já que o «plagiei» (as aspas estão aqui colocadas porque os leitores foram avisados quem o escreveu e qual a sua proveniência). Seria interessante passar por lá (www.cafemargoso.blogspot.com) e ler as reacções.

No fundo, este mundo é uma pequena aldeia.

Abraço fraterno

João Branco

 
At 6:22 da tarde, Blogger hmbf said...

Etanol, eu pensei que tinha ficado claro mas parece que não. Aliás, a avaliar por comentários noutros blogs não ficou mesmo anda claro: este post não é sobre as razões que cada um encontra para escrever, pintar, fazer escultura, cantar, dançar, criar, o que seja. Este post, partindo de uma especulação sobre as razões que fundamentam o desejo de publicar, ou seja, de tornar pública uma determinada actividade (o exemplo da escrita, nos blogs, é sempre, por razões óbvias, o mais discutido), é sobre a falta de espírito autocrítico que grassa no país. Julgo que essa falta de espírito autocrítico, muitas vezes contaminada pela ausência de referências, empobrece as actividades, diminui as exigências ao nível da qualidade, promove o laxismo, nivela tudo muito por baixo. Esta é uma perspectiva que pode ser rebatida, mas não deve, como infelizmente aconteceu nesta caixa de comentários, misturar-se com outras questões que nem sequer seriam para aqui chamadas não fosse a já costumeira comichão de alguns anónimos.

L., o maior sucesso para os teus livros é o que desejo.

João Branco, já tinha passado pelo café – muitos parabéns pelo seu blog - e gostei muito dos comentários. Aproveito para plagiar alguns fragmentos:

…todos querem ensinar mas a maioria não tem paciência para aprender…

Não é fácil assumir as fraquezas e defeitos, mas não é impossível, e é com um certo trabalho de introspecção e auto-reflexão das nossas atitudes e comportamentos, que conseguimos melhorar enquanto pessoas…

…para mim sempre foi claro que quanto maior a auto-exigência, maior a possibilidade de evolução…

Ser humilde e auto-crítico, ser capaz de rir de si próprio, de aprender com os erros, de analisar o seu comportamento antes de analisar o outro é uma qualidade rara…

 
At 5:13 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Este vício de opinar... Esta minha irresponsabilidade...
Mas cá vai: vão mas é trabalhar, oh!

 

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