TEM (G)RAÇA
Casos, opiniões, natureza e uso
fazem que nos pareça desta vida
que não há nela mais que o que parece.
Camões
Quando Aníbal António Cavaco Silva, cognome “O Carranca”, ganhou a presidência da República (das Bananas), ficou evidente a falta de memória dos portugueses. O homem foi primeiro-ministro durante apenas 10 anos, coisa pouca. Durante esses 10 anos, Portugal desaproveitou tudo o que outros aproveitaram. O resultado está expresso de forma quase perfeita num raciocínio de João Gaspar que eu permito-me corrigir: crescemos a ouvir que Portugal está na cauda da Europa. Os mais arrojados dizem que Portugal é o cu da Europa. Mas se a Europa fosse um gajo de cócoras, o cu era a Espanha. Portugal, o cagalhão. Não me falem pois de lapsus linguae ou de gaffe. Que o Presidente da República Portuguesa chame "dia da raça" ao dia do seu país, ao dia do poeta Camões, é apenas o cúmulo do anedotário em que há muito vamos vivendo. Freud falaria, talvez, de um acto falhado, um desejo recalcado que o inconsciente trouxe à superfície daquela boca asquerosa. Cavaco queria ser o Salazar deste Portugal patológico. Os títulos do Público de hoje não enganam: "Ser português é ser católico, pensa a maioria", "Em Portugal, nação e Igreja são equivalentes". Eu diria antes, usurpando o poeta, que ser português é nascer em desvantagem. O resultado está à vista de quem queria abrir os olhos. Mais preocupante do que chamar a Portugal “dia da raça” é termos um Presidente da República que fala em “raça” com uma convicção e uma naturalidade que apenas reconheceríamos nos energúmenos da extrema-direita. É esta gente que nos governa, é gente desta que, há mais de 20 anos, decide os destinos do país. De quatro em quatro anos queixam-se uns dos outros, de quatro em quatro anos entusiasmam os portugueses com um salto às urnas. Enfim, as urnas também são caixões funerários, recipientes onde se recolhem as cinzas dos finados. Se calhar tudo isto faz mais sentido do que possamos supor.
13 Comments:
É o pensamento de um ocidental. E é o dia da raça dele, que a tem (berbere). E foi eleito democraticamente. Nada que se compare com o porco Chávez. Viva Portugal.
O que mais me aflige é esta dos leitores continuarem em Portugal a ter medo de dar a sua opinião e a se designarem como Anónimos"
Quanto ao PR eleito e destribuidores de medalhas sobre a Liberdade, pergunto se alguém entre os medalhados recusou a prebenda vinda donde veio?
O País tem o que merece. Nem mais !
O azar é ter cá nascido!
MFerrer
Excelente pergunta: alguém entre os medalhados recusou a prebenda vinda donde veio?
mferrer, sou eu o anónimo, e sou-o não por ter medo mas porque normalmente não compreendem a minha ironia (defeito meu), como acho que é o seu caso. Outra coisa: «ter cá nascido» é facto, não é azar nem sorte. É daí que devemos partir, do facto, ou então continuamos a ser cem por cento portugas (queixinhas, subalternos, etc.)
Uma desgraça, fiquei em estado de choque quando ouvi o dia da raça e aquilo foi natural, saio da boca do Cavaco como se existisse mesmo. Sinistro.
Maria João
Maria João, este lapso é magnífico: “saio da boca do Cavaco como se existisse mesmo”.
tendo a concordar com isso do cu ser a espanha e portugal o cagalhão. talvez por agora estar em espanha e pela falta de isolamento geográfico de portugal, não distingui a ibéria (apesar de me considerar adepto do iberismo - outra discussão, adiante).
as contra-reacções às reacções da esquerda e a indiferença generalizada com que isto tudo se vai ouvindo só reforça o modo como o cavaco foi eleito. não lhe ouvimos uma idéia durante a campanha. uma única frase, um gesto, nada que saísse do guião. ou seja, um país elege um presidente de quem não conhece opinião sobre quase nada, além de ser inculto e provinciano. em rigor conhecemos-lhe muitas opiniões, infelizmente, mas dou de barato que a amnésia colectiva varreu os 10 anos de governo.
o que mais impressiona é mesmo a indiferença, a banalidade, a comparação com a gaffe do "fazer as contas". e assim ficará registada, como uma anedota e polémica pueril. siga a festa.
desculpa se cometi o sacrilégio de salpicar isto com bílis, mas o cavaco provoca-me particular urticária.
(já agora posso queixar-me do de que está ali na frase "raciocínio de João Gaspar"? pode ser um do. é que o de é tão impessoal e distante, como se fosse um jornalista a falar do cavaco)
;)
um abraço.
chiça, que isto ficou grande.
e eu que vinha só mesmo dizer que o cavaco tem (g)raça mas não tem piada nenhuma. juro.
:( já não digo coisa com coisa
Maria João
Estava fora quando o Exmo. Sr. Presidente da República, eleito com maioria de votos, proferiu essas palavras, logo é-me difícil contextualizá-las. Se as ouvisse num ambiente corrente pensaria apenas que essa 'raça' seria uma referência a uma espécie de 'fibra', de vontade e força de querer concretizar os seus anseios. Pelo menos é assim que por aqui, no Porto, entendemos o uso desse termo num contexto ordinário.
Por exemplo, em tempos de campeonato europeu de futebol se ouvíssemos um comentador desportivo dizer que o Petit é um jogador de raça alguém levantaria alguma polémica? Alguém pensaria que o jornalista estava a ser racista? E se o desgraçado do jornalista dissesse o mesmo do Miguel ou do Pepe?
A mim parece-me que por cá gostamos de levantar poeira com muita facilidade. Ouço muita gente dizer que Portugal é uma espécie de 'cagalhão', mas os únicos que vejo a andarem daqui para fora são os que não encontram na lusitânia lugar para ganhar o seu sustento e vêem-se forçados a estar longe das pessoas que tanto amam. Quanto aos críticos negativistas da terra de Camões (embora muita da critica seja também um reflexo da sua paixão por esta terra), continuam estranhamente por cá sem tentarem viver em lugar melhor!
Cara (ou caro?) loucomotiva,
podemos pôr os paninhos quentes que quisermos nas palavras do Cavaco. Ter sido eleito com maioria dos votos não o desculpabiliza mas, ao invés, dá-lhe a responsabilidade de, pelo menos, esconder a sua ignorância e escusar-se de proferir tamanhas alarvidades.
O aproveitamento político da situação é outra coisa, bem diferente da crítica mais que justificada à torpeza das palavras presidenciais.
Não digo que o Cavaco seja racista, apenas ignorante. Mas se é preciso "sublinhar a raça, o dia da raça", duvido que no 10 de Junho seja preciso sublinhar a raça do Petit em campo (até porque Portugal jogou no dia 11).
E acuso o toque (olha, outra conotação futebolística) não porque o Cavaco o mereça, mas por não estar agora em Portugal e pela referência ao "cagalhão". Quanto às razões por que não estou em Portugal, se não se importa, reservo-as para mim. Quanto ao cagalhão, e em comparação com o gajo de cócoras que se chama Europa, pode tapar o nariz á vontade, mas o cheiro espalha-se no ar à mesma. (E ainda assim prefiro ser uma feliz mosca no meio do cocó do que o gajo que caga nos outros).
E se a raça do Presidente quisesse mesmo dizer "fibra", com tanto All-Bran provavelmente a disenteria era ainda mais acentuada.
*(...)tapar o nariz à vontade.", com o acento para o lado certo.
João Gaspar,
o que escreve tem graça e gosto de como escreve.
Se considera o Sr. Cavaco Silva ignorante, parece-me que nesse caso não pertence à raça dele :)
Jorge Garcia Pereira
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