7.6.08

Fragmento #61 – Milagres

Há alguns anos que tenho pesadelos com a casa dos meus avós em Évora e a família agora resolveu fazer lá obras – eu afirmei logo a pés juntos que não quero nada com aquela casa, nunca irei lá viver ou pernoitar; detesto-a, tem quartos onde não consigo entrar, sinto que se passaram coisas horríveis lá dentro. Recentemente, o meu irmão contou-me que mostrou a casa ao meu sobrinho mais velho e ele quando estava a sair daquele antro, cruzou os braços e disse que não gostava da casa – eu acho que as crianças têm razão nestas coisas, devemos dar-lhes ouvidos. O meu irmão que é um céptico sarcástico relatou a história à família, depois de eu lhes contar os meus pesadelos e preocupação com as obras. A minha mãe agora quer levar lá um padre para benzer o sítio – não tenho nada contra, nem a favor, nunca gostei de homens de saias, não confio nesses intermediários, mas pode ser que resulte, também não é por isso que vou algum dia querer alguma coisa daquela casa. Como tenho uma personalidade alternativa, perguntei aos amigos se conheciam alguém de confiança que pudesse orientar-me nestes assuntos. Para meu espanto, sem eu dizer nada, essa pessoa confirmou as minhas desconfianças, receios em relação à casa e aconselhou-me fazer orações numa igreja às segundas-feiras; pensei que mal não faz, tive uma educação católica, como já afirmei não confio nos padres, deus é outra história, não acredito propriamente numa figura antropomórfica que gere tudo isto, acho que os homens o criaram à sua imagem e semelhança; não deixei de ter, no entanto, uma relação com o que está para além de mim, com o transcendente, gosto de ler a Bíblia e a fé é algo que transportei para o trabalho artístico na adolescência; lembrei-me de um amigo meu que já partiu, que era um místico muito à sua maneira e costumava dizer que os rituais o acalmavam. Então, tive de escolher uma igreja perto de onde vivo, para lá ir à hora do almoço, antes do trabalho: tenho uma no topo da minha rua, mas como já vivo aqui há 21 anos, achei que não era a mais adequada, se não qualquer dia também frequento as touradas no Campo Pequeno – nem com a praça restaurada pretendo lá entrar também; na Av. de Berna existe a igreja de N. S. de Fátima, mas Fátima não, acho que aquilo é apenas um grande negócio; a alternativa era São João de Deus na praça de Londres, coincidência, uma antepassada do lado do meu pai era de Montemor-o-novo e tem o apelido Cidade, por isso era da família do santo, assim, esta igreja pareceu-me a mais adequada. Há muito que só entro em igrejas para cantar em latim ou assistir a concertos, normalmente são antigas. Fui a S. João de Deus que é moderna e no altar deparei-me logo com uma imagem da Fátima: raios que o parta, ela está em todo o lado. Resolvi não ligar ao assunto, afinal é apenas uma imagem, cumpri os rituais e senti-me bem. Quando ia já a caminho do trabalho, lembrei-me da N. S. da Conceição, está sozinha lá num monte em Vila Viçosa a olhar a planície alentejana, é muito mais bonita que a Fátima e quase ninguém lhe liga. Em 1981, quando o papa João Paulo II a visitou, eu era uma miúda, mas assisti a um verdadeiro milagre da N. S. da Conceição, porque o povo gritava: Papa, amigo, o povo está contigo!

Maria João

13 Comments:

At 11:43 da tarde, Blogger Zeca Portuga said...

Não é que eu seja muito santo, ou um grande católico. Mas, acho que tens um pensamento extremista em relação a Fátima.
Não é verdade que Fátima seja um negócio da Igreja! Acho que desconheces a amplitude do "fenomeno Fátima". Como certamente sabes, Fátima era o nome de uma das filhas de maomé. Isso leva a que até o "mundo arabe" tenha um grande respeito por Fátima.
Quando vivemos sem problemas, reservamo-nos no direito de pensar e dizer tudo... quando chegam, oa problemas, queremos acreditar até no impossível... talvez esse seja o teu caso, um dia.

Em relação a Fátima: em portugal, milhões de pessoas acreditam e vão lá, achas que estão todos errados!?

 
At 10:07 da manhã, Blogger hmbf said...

Bem sei que a pergunta não é para mim, mas como vomito sobre o “fenómeno Fátima” (a Maria João não é radical mas eu sou, julgo que aquilo é mesmo o lado mais podre da Igreja), permito-me perguntar o seguinte ao Zeca Portuga: milhões de alemães acharam que os judeus eram todos pulgas. Acha que estavam todos errados? Ainda muito recentemente, centenas de milhões de pessoas no mundo acharam que o Iraque era uma ameaça à segurança internacional. Acha que estavam todos errados?

 
At 2:18 da tarde, Blogger L * E said...

gostei de te ler...

por vezes sentimos coisas estranhas em lugares que nos deviam ser familiares...

 
At 2:23 da tarde, Blogger Luis Eme said...

Nunca senti isso que dizes sentir pela casa, mas compreendo-te.

Em relação ao "F.Fátima", estou com vocês.

E então os milagres da mana lúcia, são o que há de mais ilustrativo daquele negócio, altamente lucrativo...

 
At 8:47 da tarde, Blogger Zeca Portuga said...

Carissimo hmbf:
Em primeiro lugar, temos que separar as águas – literalmente: “ a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”.
Começo por César:
Arranjou dois dos exemplos mais infelizes.
Durante a II Guerra, apenas a cúpula da “seita” Nazi (e nem todos!) tinham tal pensamento.
Advirto-o, desde já, de que, para mim, os partidos políticos são “seitas restritas”, com um culto pagão do chefe. Em Portugal, o pior é o PS, com práticas próximas dos sistemas totalitários (incluindo o Nazi).
O povo alemão foi obrigado a colaborar com o regime, não porque concordava, mas por MEDO. Se assim não fosse, todos os alemães com 70 anos e seus descendentes eram Nazis - isso não é verdade. A queda de valores: com filhos s denunciar pais, familiares a denunciar familiares… são o mais negro exemplo de como o medo pode levar à decadência social. Hoje, a mesma falta de valores é igualmente perigosa, mas por outros motivos.
Quanto ao Iraque, não houve milhões a acreditar nos EUA. TODA a gente sabia que era mentira – excepto uma estrita franja de mentecaptos, os mesmo que acham que todos os Islâmicos são perigosos terroristas e a principal ameaça do mundo (quando é exactamente o contrário). Não confunda falta de conhecimentos, falta de cultura e informação, com convicções.
As coisas de Deus…
Fátima é um fenómeno religioso. Só o entende quem tem capacidade e formação para tal.
Infelizmente, quem não enxerga tão longe, na verdade, vê apenas os vendilhões ateus, agnósticos e outras pandilhas que se fixaram e exploraram o comércio que os peregrinos geravam – não a igreja, nem o sector religioso. Os aproveitadores, indecentes, incluindo os capitalistas e os políticos, nada têm a ver com o fenómeno religioso – são meros parasitas do sistema. Isso é assim aqui, em todo o mundo e em todas as religiões.
A fé faz parte da cultura, da cultura social, da civilização, da humanização – daí que um homem sem fé se torne um “animal” humano mais ou menos socializado.
Para a Igreja, em termos teológicos, a questão das aparições é secundária, porque aqui se cumpre uma premissa dos ensinamentos de Jesus: “onde estiverem dois reunidos em Meu nome Eu estarei no meio deles!”
Fátima, como fenómeno religioso, é, um dos mais respeitados e conhecidos locais do mundo. È fruto da vontade, da generosidade e empenho voluntário e livre das pessoas do mundo inteiro, e não dos interesses de meia dúzia.
Claro que, quem nada sabe de religião, não tem autoridade para juízos de valor, no campo restrito da fé.
Como poderia eu dizer mal dos “físicos” no que respeita ao controlo da cisão do átomo, se nada sei de física atómica?
Nota: eu nunca fui a Fátima!

 
At 11:20 da tarde, Blogger MJLF said...

zeca portuga: milhões de pessoas vão a Fátima e eu não gosto de multidões, nesse aspecto sou Kierkegaardiana, foi este filósofo que me alertou para o facto de a multidão ter condenado Cristo e Sócrates à morte. Gosto muito mais da N.S. da Conceição, é mais antiga, ninguém lhe liga, mas eu sou uma alternativa e separo a crença da fé.

Henrique: de facto não sou radical em relação a Fátima, mas também acho que é o lado pior da igreja.

L&e:obrigada, aquela casa tem rastros de coisas beras que eu não quero que sejam familiares.

Luís eme: não há paciência para as petas da mana lucia


Luis Eme:

 
At 12:07 da manhã, Blogger Zeca Portuga said...

Sócrates!!!
Só se for este!
Segundo aquilo que hoje se pensa, Sócrates - o grego - nunca existiu!

 
At 12:39 da manhã, Blogger MJLF said...

Existiu sim, porque eu costumo ver passar na minha rua uma reencarnação dele, com a miserável condição humana dentro de um saco de plático, pendurada na mão esquerda!
Maria João

 
At 12:46 da manhã, Blogger hmbf said...

Caro Zeca, li o seu comentário com atenção. Na verdade, li e reli o seu comentário com a máxima atenção. Não consigo comentá-lo. Peço-lhe desculpa.

 
At 2:42 da manhã, Blogger Mário Lisboa Duarte said...

Meus caros:

Eu, que não sou nada de comentar em voz alta os escritos dos outros, sinto-me na obrigação de ter que fugir à normalidade, por via de uma memória que se me instalou entre a área de Broca e o corpo caloso: a minha primeira ida a um botequim, onde uma senhora, de seu nome Fátima, se chegou ao pé de mim e, por virtude do divino Espírito Santo, me provocou durante cinco segundos uma aparição tamanha, que até hoje ninguém a conseguiu repetir. Portanto, acendo as velinhas que for preciso, a esta puta com nome de santa. Só falhei em não continuar peregrino, porque entretanto o bar fechou e ela (des)apareceu para outros lados. Depois de ler o Stig Dagerman, a frase "Sem fé ouso pensar a vida como uma errância absurda a caminho da morte, certa" perdeu todo o poder que tinha. Não me choca, pois os desígnios do altíssimo são tão insondáveis que podem chegar a roçar a "amplitude" do absurdo.

 
At 2:44 da manhã, Blogger Mário Lisboa Duarte said...

Quanto à casa de Évora, acho que temos de lançar por lá uma Big Ode para desmistificar aquilo tudo. Tinha pensado em sugerir o o Harmonia Eborense, mas é queque ao pé dessa tua descrição.:-)

 
At 10:35 da manhã, Blogger MJLF said...

Tás maluco, antes o Harmonia!
Maria João

 
At 10:17 da tarde, Blogger R. said...

Olha, Maria João, estou com o Mário Lisboa Duarte. Lancemos lá a próxima Big Ode para esconjurar o sítio. Para grandes males, grandes remédios!

 

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