A INUTILIDADE DA INUTILIDADE
Já não é novidade para alguns: estou a trabalhar numa livraria desde o passado dia 1. Dez anos de docência não vão ser fáceis de esquecer, mas a vontade de mudar de vida e o trabalho têm sido tantos que nem tenho tido tempo para me lembrar. Nestes últimos três dias estive pela capital em acções de formação. Não consegui tempo para estar com os amigos. Houve apenas a oportunidade de passar por algumas livrarias na companhia dos novos colegas. Fiquei chocado, eufemísticamente falando, com a pobreza da FNAC do Chiado, onde cheguei a comprar tantos e tantos livros de poesia. Uma parede inteira e uma gôndola foram reduzidos a um único expositor com pouco mais que uma dúzia de títulos. O cenário miserável não é diferente na livraria onde tenho estagiado. Ainda assim, consegui adquirir o n.º10 da Telhados de Vidro na FNAC. É uma revista que me agrada bastante, independentemente do tempero demasiado circunscrito. A palavra inutilidade tem um peso tremendo em alguns dos habitués da TdV. Que o tempo é uma possibilidade inútil, que a esperança é inútil, que a poesia é inútil, que os versos são inúteis, que os poemas inúteis são, que é inútil dizer o que quer que seja onde quer que for. Deve ser esse o pensamento dos livreiros responsáveis pelas secções de poesia, tal é o desprezo a que estas têm sido votadas. Inútil, sabemo-lo bem, é passarmos pela vida debaixo deste tecto da inutilidade. Já toda a gente sabe que estar vivo é estar morto e que andar por aqui não tem utilidade alguma. Excepto se formos a Marie Curie ou alguém que tenha, vá lá, contribuído para que a passagem dos outros pela vida inútil seja um pouco mais agradável. Sempre é preferível ir aliviar a bexiga, mesmo que numa casa de banho de uma tasca asquerosa, e poder passar os olhos pelas folhas do jornal que forram as paredes, a querer urinar e não conseguir porque uma infecção sem tratamento barra o líquido dourado dentro de nós. E para passarmos os olhos pelas folhas do jornal houve que, pelo menos, aprender a imprimir jornais. Ó inútil João Gutenberg, mais valia teres estado quieto! Ora, esta minha breve peroração deve-se também ao facto de, ainda mal chegado a casa, ter recebido um telefonema de um amigo a perguntar-me se eu sabia quem era o leitor anónimo que andava a deixar comentários num post que está para aí algures. Não sei, caro amigo, nem quero saber. Ter um blog com caixas de comentários abertas INDISCRIMINADAMENTE obriga a estar preparado para tudo, para os elogios e para os insultos – sendo que ambos podem ser facilmente confundíveis com esterco -, assim como para chamadas de atenção, excelentes contribuições para debates vários, etc., etc., etc.. O que sei é que sendo o assunto poesia nesta casa, logo um ou outro anónimo se abespinha. Isto tem várias razões de ser. Pelo menos uma delas não há-de ser alheia à pobreza das estantes de poesia na FNAC do Chiado. Como se costuma dizer, são muitos cães para um único osso. E não sei se também se costuma dizer, mas digo eu: quanto mais miserável é o indigente, mais inimigo dos pobres ele se torna. Estranho, tratando-se de um osso… tão inútil.
8 Comments:
então boa sorte no novo trabalho. Já foi um dos meus sonhos. :) Quando ainda não sabia dos chatos...
Esses estão em todo o lado.
pois estão! mas tenho cá uma intuição de que os chatos das livrarias são piores. ou atacam mais...posso estar enganada. certezas não é coisa que eu gaste muito.
Já aturei chatos em escolas, atrás de um balcão a vender roupa, ao telefone a vender telefones, nos blogs. :) Enfim, estarei entre livros. Já não é mau, mesmo que seja entre maus livros. ;-)
P.S.: E tenho a certeza que tu serás uma óptima cliente.
entre livros, que sorte boa :)
Não vem nada a propósito, mas a esta hora todos os pensamentos me assaltam: " eu, que até sou vegetariano, procuro uma caixa de osso para guardar tudo o que é
íntimo e privado. É que me disseram que eram as mais seguras.
Claro que existem os cofres fortes,
as caixas de mármore, etc. Mas eu
queria era uma de osso, porque - parece-me- são as mais fiáveis: tudo o que aí guardamos não sai mais..."
Desculpem a conversa a despropósito
mas como ouvi falar de osso, resol-
vi pôr a nu esta obsessão...
Blue, azar para a carteira. :))
Victor, um abraço.
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