APRENDER A CONTAR #17
O CICLO DAS ESTAÇÕES
Cansadas de se terem contraído todo o inverno as árvores de repente gabam-se de ser enganadas: soltam as suas palavras, uma onda, um vómito de verde. Tentam alcançar uma folheação completa de palavras. Tanto pior! As coisas arranjar-se-ão como puderem! E, na realidade, arranjam-se! Nenhuma liberdade na folheação... As árvores lançam, pelo menos é o que pensam, não importa que palavras, lançam caules para neles suspenderem mais palavras: os nossos troncos, pensam elas, aqui estão para tudo assumirem. Esforçam-se por se esconderem, por se confundirem umas nas outras. Julgam poder dizer tudo, cobrir inteiramente o mundo com palavras variadas: mas não dizem senão «as árvores». Incapazes até de reter os pássaros que delas voltam a partir, embora se alegrassem por terem produzido tão estranhas flores. Sempre a mesma folha, o mesmo modo de desdobramento, e o mesmo limite, sempre folhas simétricas umas às outras, simetricamente suspensas! Tenta mais uma folha! — A mesma! Mais outra! A mesma! Em suma, nada poderia pará-las senão de súbito esta observação: «Não se sai das árvores por meios de árvore». Um novo cansaço, e uma nova mudança moral. «Deixemos tudo isto amarelecer, e cair. Que venha o taciturno estado, o despojamento, o OUTONO.»
Francis Ponge (1899-1988), Alguns Poemas, trad. Manuel Gusmão, p. 39, Cotovia, 1996.
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3 Comments:
Será por isso que algumas espécies são de folha perene?
As de folha caduca anunciam-nos o Outono...julgamos nós, a acreditar pelos tons que se espalham pelo vento,no chão..
Que venha o "taciturno estado"
Bom texto.
Anamar, esse dualismo fascina-me: folha perene e folha caduca. A mãe natureza é que "a sabe toda".
João Norte: obrigado pelo comentário. O Ponge deve ser lido.
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