LE CLÉZIO TRADUZIDO POR HERBERTO HELDER
Volto a pegar em Poesia Toda, de Herberto Helder, por causa de A Faca Não Corta o Fogo. Possuo a edição de Novembro de 1990. Reparo que As Magias incluem um texto de J. M. G. Le Clézio, o mais recente Nobel da Literatura, mudado para português por Herberto. O texto intitula-se Um poema (Iniji) que não é como os outros. Deixo aqui os primeiros parágrafos:
Interrogamo-nos acerca da poesia? Desejaríamos saber o que pretende ela, aquilo que pretende de nós. É que muitas vezes não nos diz nada. Palavras, fragmentos de frases, balanceadas, hesitantes, versáteis, palavras que não conseguimos reter.
Refrões de cançonetas, talvez? Mas então onde está a música? Talvez músicas silenciosas, tacadas no fundo da água, a cem braças de profundidade.
Os outros poemas, todos os poemas célebres, organizados, compostos, exércitos em armas que marcham a passo certo. Não estamos lá quando passam. Viramos a cara, vamos procurar noutro lado. Em geral, quando passavam, esses grandes poemas, havia um extremo vazio, um intenso vazio (o medo, o cansaço), e era a ele que preferíamos.
Ou ainda outros poemas, que falavam de coisas graves, insultavam, blasfemavam. Faziam um grande barulho de trovão, e nós, pequenos homens fracos que não gostávamos de tempestades, metíamos a cabeça entre os ombros, à espera de que aquilo passasse. Os gritos e os insultos, não, isso não era para nós.
Cada vez mais poemas, sempre, nos livros. Fileiras de linhas, frases cortadas, em suspenso, nas páginas brancas... Mas olhávamos esse branco das páginas e, de longe, as cristas dos maciços verticais; árduas colinas de que não queríamos aproximar-nos, estavam bem onde estavam, de longe, ao longe.
Diziam coisas, esses poemas, e ao mesmo tempo não diziam nada. Palavras voltejantes, não iam a parte nenhuma, sem força, sem duração, sem memória, lidas vagamente, abandonadas depois. Criavam o seu próprio rumor, dispensando ouvidos, zumbir de abelhas invisíveis. Líamos aqui uma palavra, ali outra, e tínhamos dificuldade em ligá-las, pois eram palavras sem raízes, não viviam, pareciam conchas vazias; podia fazer-se com elas um colar.
Agora, depois de Iniji, já nos não interrogamos. Há uma certeza. Viu-se qualquer coisa, seguiu-se essa coisa, como se a gente estivesse a fazê-la, como se tivesse encontrado ouvidos para escutar a música do fundo da água.
Interrogamo-nos acerca da poesia? Desejaríamos saber o que pretende ela, aquilo que pretende de nós. É que muitas vezes não nos diz nada. Palavras, fragmentos de frases, balanceadas, hesitantes, versáteis, palavras que não conseguimos reter.
Refrões de cançonetas, talvez? Mas então onde está a música? Talvez músicas silenciosas, tacadas no fundo da água, a cem braças de profundidade.
Os outros poemas, todos os poemas célebres, organizados, compostos, exércitos em armas que marcham a passo certo. Não estamos lá quando passam. Viramos a cara, vamos procurar noutro lado. Em geral, quando passavam, esses grandes poemas, havia um extremo vazio, um intenso vazio (o medo, o cansaço), e era a ele que preferíamos.
Ou ainda outros poemas, que falavam de coisas graves, insultavam, blasfemavam. Faziam um grande barulho de trovão, e nós, pequenos homens fracos que não gostávamos de tempestades, metíamos a cabeça entre os ombros, à espera de que aquilo passasse. Os gritos e os insultos, não, isso não era para nós.
Cada vez mais poemas, sempre, nos livros. Fileiras de linhas, frases cortadas, em suspenso, nas páginas brancas... Mas olhávamos esse branco das páginas e, de longe, as cristas dos maciços verticais; árduas colinas de que não queríamos aproximar-nos, estavam bem onde estavam, de longe, ao longe.
Diziam coisas, esses poemas, e ao mesmo tempo não diziam nada. Palavras voltejantes, não iam a parte nenhuma, sem força, sem duração, sem memória, lidas vagamente, abandonadas depois. Criavam o seu próprio rumor, dispensando ouvidos, zumbir de abelhas invisíveis. Líamos aqui uma palavra, ali outra, e tínhamos dificuldade em ligá-las, pois eram palavras sem raízes, não viviam, pareciam conchas vazias; podia fazer-se com elas um colar.
Agora, depois de Iniji, já nos não interrogamos. Há uma certeza. Viu-se qualquer coisa, seguiu-se essa coisa, como se a gente estivesse a fazê-la, como se tivesse encontrado ouvidos para escutar a música do fundo da água.
1 Comments:
pena nao haver nada da poesia do Le Clézio disponivel...
um abraço,colega.
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