APRENDER A CONTAR #25
O DESPERTADOR
Um despertador exposto sobre um tapete cheio de pó era tudo quanto possuía, para vender, o pobre comerciante árabe. Durante dias, reparou que uma velha se interessava pelo relógio. Era uma beduína, pertencente a uma daquelas tribos que voam com o vento.
«Desejas comprá-lo?», perguntou-lhe um dia.
«Quanto custa?»
«Pouco. Mas não sei se o vendo. Se também este desaparecer deixarei de ter um trabalho».
«Então porque o tens exposto?»
«Porque me dá a sensação de viver. E tu porque o queres, não vês que lhe faltam os ponteiros?»
«Faz tiquetaque?», quis saber a velha.
O comerciante deu corda ao despertador fazendo soar um sonoro e metálico tiquetaque. A velha fechou os olhos e percebeu que, na escuridão da noite, podia assemelhar-se a um coração que bate ao lado do seu.
Tonino Guerra (1920), Histórias Para Uma Noite de Calmaria, trad. Mário Rui de Oliveira, p. 23, Assírio & Alvim, Novembro de 2002.
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