O AUTOR AVESSO A APARECER APARECE MAIS QUE TODOS OS OUTROS E NÃO TEM CULPA DISSO
Hugo Torres, do blog Húmus, diz que eu não gosto da “atenção indiscutida” dada a Herberto Helder. Esclareço que a não gostar de alguma coisa seria da “atenção indiscutida” dada a um livro de Herberto Helder. Mas nem é bem disso que se trata, pelo que me sinto na obrigação de me explicar melhor. Primeiro: Herberto Helder é, indiscutivelmente, um dos nossos maiores poetas vivos. É difícil falar disto de outra forma, embora também não me agrade muito a diferenciação de obras poéticas pela dimensão dos seus autores. Pessoalmente, prefiro um livro como “A Margem da Alegria”, de Ruy Belo, à “Poesia Toda” de Herberto. Não há nenhum poema neste autor que me toque mais do que me tocou a leitura, por exemplo, de “Um adeus português”, de Alexandre O’Neill. São questões de gosto pessoal, sempre discutíveis, mas dificilmente explicáveis. A poesia lê-se muito com aquelas razões que a razão desconhece. No entanto, li tudo o que está disponível de Herberto Helder. Não que isso importe para alguma coisa, mas escolhi dois versos de Herberto para epígrafe de abertura de um livrinho que publiquei há 5 anos. A questão que se me coloca hoje em dia é uma velha questão, uma questão a que o poeta será completamente alheio, assim como a sua obra, no que ela possa ter de excelente, repetitivo, fastidioso, sublime, fundamental. Não me interessa discutir a poesia de um autor senão na base da sua poesia. Para tal, são fundamentais uma certa indiferença ao que se convencionou chamar de cânones e um saudável desrespeito pelos lugares comuns das academias. Lembro-me perfeitamente quando comecei a ler este autor. Tinha 19 anos. Devo esta descoberta a um extenso dossier publicado no JL, aquando da edição do livro Do Mundo. Ainda hoje guardo essas páginas publicadas no dossier, que começava assim: “Um dos maiores poetas portugueses e europeus contemporâneos, cuja cumplicidade maior é com a Poesia ou, como escreveu, com a “veia selvagem trespassando a acerba / massa / dos vocábulos”. É Herberto Helder, 64 anos de idade, vinte títulos, aos quais no próximo dia 15 acrescentará mais um («Do Mundo»), depois de, no passado dia 7, ter publicado a 6.ª edição (alterada, como todas desde a 1.ª, 1963) de «Os Passos em Volta»”. Portanto, já então um novo livro do poeta era um “acontecimento literário do ano”. À volta do autor, muita cagança, se me permitem o plebeísmo, e nenhum espírito crítico. Eis o exemplo mais flagrante de como a crítica literária deixou de ser crítica para passar a cumprir o papel do porteiro, do profeta, que anuncia a chegada de um rei. Que um autor mereça mais atenção que outros, até me parece natural. Mas que um autor não mereça a atenção de uma leitura fundamentada, atenta, crítica, paciente, reflexiva, lenta, profunda só por ser quem ou o que é, deixa-me algo descrente. Afinal, que diferença há entre as senhoras que ontem procuravam livros do novo prémio Nobel na livraria onde trabalho, ou o livro do não sei quantos que apareceu na televisão, e as pessoas de cultura, os críticos, os funcionários dos suplementos literários que agem desta forma? Nenhuma. A publicidade que o novo livro de Herberto Helder merece só por ser um novo livro de Herberto Helder vem no arrasto do culto que se gerou em torno da marca Herberto Helder. Que isso se critique a uma autora como Margarida Rebelo Pinto e não se aponte aos “críticos” – publicitários seria mais exacto – com um comportamento em tudo similar é apenas sinal da sociedade hipócrita em que vivemos. Como é óbvio, quem menos tem que ver com isto é o próprio autor.
4 Comments:
Sim. Quando escrevia que não gosta «da atenção indiscutida dada ao poeta», queria eu dizer a uma nova obra por ele lançada. Não a atenção ao próprio, claro. Tenho o mesmo problema com os cânones — daí a referência à futurologia das estrelas.
Se Herberto tem ou não culpa nisto, não serei tão rápido a responder e conservo o silêncio. De qualquer forma, o esclarecimento é rico e toca em pontos fundamentais, sensíveis. Acrescento apenas que os reajustamentos do modus operandi dos media — que, concordo, são necessários — são processos de pinça, muitas vezes tratados a cinzel.
Já cansa ,tanta ironia,tanto cinismo ,tanta sedução na Arte!
nao acho que o proprio hh esteja muito interessado em ter mais ou menos atencao, em ver que e olhado como um mito ou mesmo messias.
claro que nao gosto de ver alguem elogiar um livro antes de o ler, nem do contrario. eu, comprei-o. interessa-me. mas nao porque queira contribuir para algum tipo de incensamento.
pois eu já li e não gostei
a faca corta ...o pão
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