28.12.08

CIGANEAR

A propósito de uma das minhas escolhas do ano, uma prof comenta que ficou «sinseramente [sic] revoltada com o título colocado no insónia». O autor do post que me cita mudou o título do meu postO Cigano do Ano – para «O ***** [por respeito] do ano» (o resultado é confrangedor, mais ainda tendo em conta o vídeo respectivo). Noutro blog vi o mesmo post citado mas com o título «O Vendilhão do ano». Sobre o povo cigano ou assuntos relacionados escrevi eu, por exemplo, aqui; a última parte de um livro que publiquei em Dezembro de 2006, intitulado Estórias Domésticas & Outros Problemas, está pejada de personagens cuja característica essencial é o serem de raça cigana; toda a vida morei junto a ciganos, ainda hoje moro num bairro que é conhecido como o bairro dos ciganos. Há tempos, em conversa com o Álvaro, dizia-lhe não só do meu respeito mas da minha profunda admiração pelo povo cigano. Esse mesmo respeito, em conversas particulares, é bastas vezes contestado com estereótipos do género: povo difícil, povo ladrão, traficantes de droga, etc. São argumentos que não importa desmistificar neste momento, mas são falsos argumentos como qualquer estereótipo facilmente desmontável. Quero apenas reforçar o meu profundo respeito pelo povo cigano. É precisamente esse respeito que me faz sentir à vontade para utilizar o termo cigano em contextos como o que motiva esta explicação. À prof que se sentiu revoltada, respondo eu que não me revolta tanto que alguém se intitule prof e escreva sinceramente como ela escreveu como me revolta o preconceito que está subjacente àquela manifestação de revolta: porque detesto que se chame pretinhos aos pretos, porque odeio a hipocrisia de um pensamento politicamente correcto que treme perante a autenticidade, porque não suporto o respeitinho que herdámos de um salazarismo cristalizador e descambou nestes puritanismos enjoadinhos, porque ciganos são todos os que nascem ciganos mas também os que manifestam características historicamente associadas a esse povo – vendedor de feira é só uma delas -, porque me rio e não sinto qualquer revolta por isso quando vejo este casamento homossexual cigano... Será que a senhora prof ainda tem tempo e disposição para o riso? Será que após esta explicação a senhora prof continuará revoltada? Querem respeitar os ciganos? Vejam-se gregos:

O ver-se grego não deve provir de se tornar grego no sentido de se ver como natural ou habitante da Grécia. No entanto, o mistério em que sempre se tem envolvido o que é grego, por menos acessível ao comum das gentes, decerto influiu no facto de a palavra grego se haver aplicado aos ciganos, cuja origem tanto mistério encobre, mas que se julgaram oriundos do antigo império grego. Escrevi, por isso, no Glossário Crítico de Dificuldades que ver-se grego deve relacionar-se com os ciganos: "Supostos estes oriundos do antigo império grego, aos ciganos se chamou gregos. A sua vida cheia de dificuldades, perigos, aventuras, perseguições, deu lugar a que se veja grego quem sofra percalços ou se veja neles. Por um lado, a linguagem dos ciganos, o protótipo ininteligível, por outro lado,a confusão de ciganos com gregos da Ásia Menor e a sua vida cheia de peripécias, de dificuldades do ciganear, tudo isto misturado é o que dará a origem do ver-se grego.