O olho frio
Depois da nossa morte deviam meter-nos numa bola, e essa bola seria de madeira de várias cores. Deixavam-na rolar para nos levar ao cemitério e os cangalheiros responsáveis por esse trabalho usavam luvas transparentes, para trazer aos amantes a lembrança da ternura.
Para aqueles que desejassem enriquecer a sua mobília com o prazer objectivo do ser querido, havia bolas de cristal, através das quais se poderia perceber a nudez definitiva de um avô ou de um irmão gémeo.
Sulco de inteligência, lâmpada corta-mato; os homens parecem-se com os corvos de olhos fixos que levantam voo por sobre os cadáveres e todos os peles-vermelhas são chefes de estação!
Tradução de Jorge Silva Melo.

Francis Picabia nasceu em Paris no dia 22 de Janeiro de 1879. Estudou na Escola de Artes Decorativas de Paris, tendo começado a pintar por volta de 1902. Os seus primeiros trabalhos expostos, no Salão dos Independentes em 1903, revelaram inclinações para o Impressionismo. Mais tarde, Picabia adoptou e aprofundou os ensinamentos do Fauvismo, Neo-Impressionismo, Cubismo. Já na década de 1920, Picabia tornou-se num dos principais representantes da pintura abstracta, associando-se aos grupos vanguardistas da época dos quais faziam parte Apollinaire e Marcel Duchamp. Em 1917 publicou a sua primeira recolha de poemas de inspiração dadísta e fundou a revista 391 (1917-1924). Polemista exacerbado, viria a atacar Breton e outros seus contemporâneos de forma absolutamente descarada na revista 391. Sobre Breton escreveu Picabia: «esperamos o momento em que, suficientemente comprimido, como a dinamite, fará explosão.» Sobre Picabia escreveu Breton: «Este detractor, que assim se quis, de todas as convenções morais e estéticas é um dos maiores poetas do desejo…» Morreu em Paris, no dia 30 de Novembro de 1953.
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