20.8.05

Aliance

Aliance

Pode ter sido distracção minha, mas não li por aí nada sobre o Aliance – o pesqueiro senegalês, com 95 imigrantes ilegais, que foi parar a um porto de Tenerife depois de ter sido avistado à deriva sem água nem mantimentos a bordo. A história lembra certos contornos do negreiro Amistad, celebrizado por Steven Spilberg no cinema. Os países de origem destas pessoas permanecem os mesmos: Serra Leoa, Senegal, Libéria, Costa do Marfim, Guiné-Conacri. Os escravos de hoje vêm dos mesmos lugares dos escravos de ontem. O que mudou? Agora vêm arrastados pela miséria que devasta os seus países de origem, atraídos por máfias com métodos mais sofisticados do que os utilizados pelos traficantes de escravos de outrora. Porém, métodos igualmente repugnantes e só praticáveis num mundo que insiste em proteger e estimular o crime. Proteger e estimular o crime? Sim. Calar factos destes, relegando-os para as terceiras páginas do que importa no mundo, esvaziando-os de importância e desinchando o seu significado não tem outra consequência que não seja a de proteger e estimular o crime. Estes escravos de hoje dão muito jeito ao mundo dito civilizado, o mundo que cala a escravatura, que a esconde e a omite nas traseiras de uma sensacionalização mediática que se torna desinteressante de tão banalizada. É urgente odiar estas situações, este estado de coisas. Partilhar o silêncio a que são votados estes crimes torna-nos cúmplices do mal. Para combater isto, para combater esta miséria, é que era fundamental a tal cooperação internacional que anda nas bocas dos líderes do mundo ao serviço de combates pouco mais do que… enfim… interessantes. Talvez no futuro estas histórias dêem para realizar filmes, degustados ao som de pipocas saltitantes nas salas de entretenimento do mundo civilizado.