2.2.06

ANOREXIA INTELECTUAL


Estou convencido de que vamos começar a assistir a (mais) fenómenos de anorexia intelectual, que se distingue da “outra” por não ter consequências tão visíveis a nível físico e por se tratar de uma recusa de produtos como livros, em vez (para além) de alimentos. Claro que o anoréxico tradicional não recusa apenas alimentar-se. Recusa um modo de vida, recusa ser bombardeado constantemente por produtos inventados para máquinas-de-consumir que deverão continuamente encher-se (inchar-se) de sensações e substituí-las por outras, novas e ainda mais “insatisfeitas”.

Trata-se, na recusa, de uma forma de auto-punição – negar, prescindir de, associado a um sentimento de culpa – que tem como objectivo a purificação. O que se pretende é, de forma talvez inconsciente, aquilo a que a nossa humanidade julga ter direito – a salvação.

Assim, vamos começar a ouvir cada vez mais: “Não vi esse filme, nem esse, nem esse, nem li esse livro, nem conheço essa “esplanada” nova”. E isto será dito de forma ao mesmo tempo ingénua e triunfal, como quem recupera a pureza de um tempo perdido.

Tudo isto é – sintomas e prenúncios de outra coisa mais vasta (há sempre outra coisa mais vasta) : a desestruturação da “cidade” e o “retorno” (não há retornos) à terra e a certas formas de tribalismo.


Rui Costa