8.6.06

CADA MORTO, SUA TOCA

(Ao U. Mohamede)

Só os imbecis, pela raiva, desejam a longevidade.
Tortos, se babando, exigem os sinais do espelho.
Neste, o sol tosse pela boca dessa menoridade,
de quem, na frenética procura, toma o nariz pelo joelho.

Empinados, eles gritam; balbuciam remorsos pela saliva espessa
e o carrinho de rodas é chita, na savana, a toda a brida;
o clínico se comove, a seu lado; afaga-lhes a cabeça
e as palmas das mãos, se é inadiável o fim da vida.

Somos como eles, os imbecis, se julgando imortais.
Uns, até raptam a morte e lhe trocam as horas, os dias fatais.
Se encarquilha a realidade e a placa salta, em pragas, da boca;
nos nauseamos, somos o resto; cada morto em sua toca.

Coimbra, Dezembro de 1991

Heliodoro Baptista
Heliodoro Baptista nasceu em Gonhane, Quelimane, Moçambique, no ano de 1944. Publicou em 1987 Por Cima de Toda a Folha (Prémio Nacional de Poesia [Moçambique] em 1991) e A Filha de Thandy (1991). Poemas seus, com traduções em várias línguas, constam de antologias e estudos publicados em Moçambique, Portugal e Itália. Reside na cidade da Beira.

6 Comments:

At 4:21 da tarde, Blogger manuel a. domingos said...

é pá! bom poema!

 
At 4:29 da tarde, Blogger Silvia Chueire said...

Contundente, o poema! E muito bom.

Abraços,

Silvia

 
At 10:43 da manhã, Anonymous Anónimo said...

permita-me juntar um 3º livro:
Nos Joelhos do silêncio (caminho, 2005)

 
At 11:59 da manhã, Anonymous Anónimo said...

permito
e
agradeço

é o livro de onde foi sacado o poema: http://antologiadoesquecimento.blogspot.com/2005/10/nos-joelhos-do-silncio.html

 
At 1:41 da manhã, Anonymous Anónimo said...

eu sei, mas não estava referido (minhoquices=

 
At 3:52 da tarde, Blogger Konga said...

Heliodoro,
Folgo ver-te tão loucamente marginal como há 30 anos. E sempre sem tino, sem caminhos nem limites.
E saúdo, na circunstância, este blogue e o ma-schamba (que aqui me trouxe) por me terem atirado à cara, assim tão bruscamente, a recordação de um cabelo que resistia a ser frisado e de umas pontas de dedos mais amarelas que o enxofre.
Se algum dia leres estas linhas, fica a saber que - bem ao contrário das nossas heróicas batalhas contra os desvios contra-revolucionários - o teu sobretudo made in DDR não me aqueceu em nada. "De factamente", desde o assassinato do nosso deus e protector, em Outubro de 1986, que nada me aquece.
Cazalberto

PS: já tiraste o Mia Couto da lista dos oportunistas?

 

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