13.7.06

Elogio da confissão

Pedro Mexia
Invejo Pedro Mexia. Temos quase a mesma idade, mas ele é muito mais culto do que eu. É provável que também seja mais inteligente, embora esse seja sempre um item difícil de determinar. Escreve, obviamente, muito melhor do que algum dia eu conseguirei escrever. Mesmo não ambicionando escrever "no registo do costume" de Pedro Mexia, inegável se me torna, a cada momento, que eu nunca hei-de escrever assim tão bem. Só não lhe invejo a barriga e o cabelo loiro, ainda que me seja cada vez mais penoso pronunciar-me sobre barrigas. Quanto à filiação capilar, prefiro claramente a minha. Acresce que invejo Pedro Mexia por outra razão. Ele, que se diz de direita, ousa escrever coisas que eu preferia ler a alguém que se dissesse de esquerda. Leia-se, a título de exemplo, a crónica de hoje no Diário de Notícias. Não dispensando leitura integral, arrisco numa síntese: «Digamos que tenho pelo Parlamento o mesmo sentimento que tenho pela minha vesícula: agradeço em abstracto a sua diligente actividade, mas dispenso detalhes. (…) O hemiciclo, em termos arquitectónicos, tem estilo. Infelizmente, em tarde de ananases, a casa da democracia estava transformada em sauna da democracia. (…) Nunca tinha visto ao vivo dois terços dos nossos eminentes deputados. Tomei algumas notas. (…) Nuno Melo lembra um entusiasmo de magala que vai às meninas. Miguel Frasquilho cultiva uma pilosidade digna dos Habsburgos. (…) Há uma socialista que parece uma lojista de Carnide. Há um deputado ecologista com rabo-de-cavalo. Bernardino Soares nunca foi novo. Fernando Rosas é mais credível de suspensórios. (…) O debate é cansativamente previsível. (…) Cada bancada aplaude e apupa estritamente o que lhe compete e apenas isso, lança dichotes e risadas, os clichés são em grande estilo Gato Fedorento (com metáforas futebolísticas e tudo). O nível geral é fraquinho. (…) Ideologicamente, a situação é ainda mais complicada. Eu sou um homem da direita moderada (aquilo que a direita musculada chama "um homem de esquerda"). O Governo é um Governo de centro-esquerda (aquilo a que esquerda ideológica chama "um Governo de direita"). Assim, tenho dificuldade em embirrar com este executivo dito socialista. (…) Não sei exactamente qual é o estado da Nação. Mas creio que não se recomenda.» Foda-se, como eu gostava de ter escrito isto.

11 Comments:

At 2:38 da tarde, Blogger Filipe Guerra said...

de acordo, mas não era preciso ir tão longe. Aliás, a escrita pé-direito-na-esquerda-pé esquerdo-na-direita é uma das modalidades acrobáticas, ou trampolineiras, em que Portugal dá cartas. Pessoalmente, nunca gostei de quem se senta com uma nádega numa cadeira e a outra noutra.

 
At 8:59 da tarde, Blogger Vitor_Vicente said...

Fag, também não gosto de quem dá o cu a destro e a direito e ainda tenta chupar no meio. Quanto ao texto do Mexia sobre a pocilga parlamentar, assim de repente só me ocorre o César Monteiro como exemplo de alguém que escreva melhor sobre o animal político.

 
At 11:00 da tarde, Blogger Vitor_Vicente said...

Ainda vou a tempo de me erratar a mim mesmo? Aqui vai: onde se lê «destro» deve ler-se «canhoto». O resto do post está escrito direitinho por linhas tortas.

 
At 12:50 da manhã, Blogger Filipe Guerra said...

Eu também, do texto sobre a pocilga parlamentar só encontro comparação com o grande ESCRITOR César Monteiro

 
At 4:26 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Só me interessa o texto. Deixo a nádega para quem por ela se interessar.

 
At 9:53 da manhã, Blogger Filipe Guerra said...

Henrique, nunca saí do texto (do Mexia), bom como sátira literária, utilizando imagens aplicadas a personagens. Mas o deputado-personagem literário que já nasceu velho (Bernardino) ou o que tem ar de quem vai às putas (o Melo), p. ex., têm feito,infelizmente, declarações políticas reais que esta sátira não zurze. Se os deputados são alvo de crítica pelo seu aspecto exterior e superficial, o texto também pode ser alvo de crítica por ser bonito mas inócuo e também superficial. Um mero bom exercício literário. Quanto à nádega, é outra imagem, já que se trata de assentos (parlamentares) e um assento sem nádegas é uma abstracção. Por isso me interessa mais a nádega que o assento. O texto satírico tem de estar preparado para ser também alvo de sátira quando satiriza uma atitude que ele próprio pratica. É o caso.

 
At 1:39 da tarde, Anonymous Anónimo said...

FAG, a crónica é boa ou má?

 
At 3:18 da tarde, Blogger Filipe Guerra said...

Com toda a franqueza, para mim quase tudo o que escreve o Mexia é bom (excepto alguns narcisismos inúteis no blog), e saliento neste particular a crítica literária que faz no DN. É bom mas não me dá para embandeirar em arco, isto é, não me identifico profundamente com ele, só isso. Quando critico uma coisa, é porque a acho boa, ou então não falaria dela (eu funciono assim), mas a minha leitura dessa coisa é crítica, pode e deve achar-lhe limitações, porque ninguém é perfeito, etc, etc... Neste caso, disse no meu 2º comentário que é uma boa sátira, e expliquei por que gostaria de a ver mais profunda e «satírica», e mesmo que ela o fosse nunca chegaria ao ponto de desejar ter sido eu a escrevê-la, porque estaria a alienar a minha maneira de ver e escrever as coisas (decerto sem a qualidade dos grandes cronistas da moda, mas minha). Faço a distinção entre escrever e ler. Quando escrevo posso ser mau, mas tento ser eu, e contento-me com isso; quando leio (critico) sou como toda a gente: não me contento porque me acho melhor (como leitor, note-se). Acho que respondi à sua pergunta com toda a sinceridade, por mais que me comprometa.

 
At 3:35 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Fag, o que me parece é que nós estamos de acordo. Só me interessa a qualidade daquilo que Pedro Mexia escreve. Eu não disse que me identificava com ele. Disse que lhe invejava a escrita, a cultura, a inteligência. Só isso. Daí a identificar-me com ele vai uma grande diferença. Quanto à parte ideológica, sinceramente não me parece que a posição de Mexia seja assim tão dúbia. Acho até que a posição dele à direita é semelhante à minha só que à esquerda. Ou seja, parece-me que ele se sente deslocado num país onde a direita nunca se afirmou como tal. É assim uma espécie de direita que tem receio de o ser. O mesmo se passa comigo, mas à esquerda. Eu acho que sou de esquerda, mas não há esquerda no meu país com a qual me identifique em absoluto. Isto porque a esquerda, no meu país, ou é uma direita disfarçada de paternalismo ou é insuportável demagogia ou é ressentimento ou é anacrónica utopia. Daí que diga, em tom de brincadeira e com alguma verdade, que me julgo um anarquista aburguesado. :) Quanto a Pedro Mexia, não é apra mim assunto. Só o que ele escreve me interessa. Como poeta, aprecio-lhe algumas coisas mas não é dos meus preferidos; como crítico, acho que é do melhor que temos; como cronista, impecável; como blogger, tem dias. Mas como cronista é, sem dúvida, impecável. À esquerda, da mesma geração, com um estilo diferente, só vejo um que se lhe pode equiparar: o Rui Tavares.

 
At 4:08 da tarde, Anonymous Anónimo said...

o meus amigos,escapou-vos o essencial:mas qual a moral de um gajo chamado fag pra falar de nadegas?!! :)

 
At 4:41 da tarde, Anonymous Anónimo said...

ja agora,concordo:o texto (do Mexia), bom como sátira literária, utilizando imagens aplicadas a personagens. Mas o deputado-personagem literário que já nasceu velho (Bernardino) ou o que tem ar de quem vai às putas (o Melo), p. ex., têm feito,infelizmente, declarações políticas reais que esta sátira não zurze. Se os deputados são alvo de crítica pelo seu aspecto exterior e superficial, o texto também pode ser alvo de crítica por ser bonito mas inócuo e também superficial. Um mero bom exercício literário. Quanto a Pedro Mexia, não é apra mim assunto. Só o que ele escreve me interessa. Como poeta, aprecio-lhe algumas coisas mas não é dos meus preferidos; como crítico, acho que é do melhor que temos; como cronista, impecável; como blogger, tem dias. Mas como cronista é, sem dúvida, impecável.

 

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