Fragmento #46 – Cadeira vazia
Perguntei-te como é possível o mundo seguindo-te num romance já escrito; uma língua absurda. Os teus passos pararam no silêncio para sempre aqui; agora só invisibilidade. Entendi a ciência das muralhas nas paredes da biblioteca pintadas de negro; as estantes vazias. A natureza ergueu-se sem ar nos pés em pedra; nas paredes negras. Quando a morte se aproxima sabemos que são poucos os livros importantes; num silencioso medo. Nesta cidade corre o ar do teu gosto meu; corre a água. Percorro a calçada onde vimos os sonhos por dentro às escuras; tenho muito medo. Continuei revoltada no meu chão em forma de pedra; as calçadas molhadas. Mostraste-me o amarelo a cair na terra molhada das paredes na biblioteca; os livros ausentes. Digo espaço onde sinto o cheiro do teu mundo meu; um espaço aberto. A natureza entrou nas mãos dos corredores estreitos a escreverem romances absurdos; apenas em sonhos. Na noite a minha mão tem os pés aqui; na calçada escura. Lá estava o misterioso ar de Sintra a escrever no grande areal; num tempo húmido. A natureza abriu os nossos pulmões em palavras escritas; palavras de água. O coração é uma metáfora que corre na água da minha mão; vive na água. Na minha mão existem acontecimentos que olham o espaço-tempo; o tempo corre. As línguas escrevem na água que corre devagar num tempo que corre; um linguarejar suave. Ouvi os textos que existiam nas tuas paredes escuras; nas paredes vazias. Aqui tens as minhas mãos a escrever depois de partires para sempre; uma escrita nocturna. A minha mão escreve vendo a porta do silêncio; numa cadeira vazia.
Maria João
Maria João
5 Comments:
ainda ontem escrevi sobre sintra. e vou muito tocada por este poema. obrigada, maria joão. e bom dia, henrique. cumprimentos a ambos.
lindíssimo este fragmento. Doloroso mas lindíssimo.
Alice: Sintra é muito especial.
Marta: a escrita também é uma libertação da dor.
Obrigada pelos vossos comentários
Maria João
Belo, belo texto. Sabemos exatamente da poesia pousada na circunstância...
Um abraço,
Silvia
Silvia: é a voz do silêncio.
Maria João
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