LUIZ PACHECO 1925-2008
Relembro um post que escrevi sobre Diário Remendado, mais umas quantas citações do mesmo autor: uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. Talvez ainda escreva algo sobre esta morte:
Sun, 6 Jan 2008 01:32:18. Assunto: O Luiz Pacheco… Mensagem: …morreu há três horas. Foi assim que recebi hoje de manhã, na consulta matinal do e-mail, a notícia da morte de Luiz Pacheco. Revelo-o porque a mesma pessoa que me fez chegar a notícia, alguém que não vejo vai para 10 anos, alguém que me redescobriu recentemente por causa do Insónia, escrevia-me no dia de ontem, pelas 16:54:44, as palavras que passo a citar: «Entretanto, aconselho-o a desconfiar do que diz o Pacheco (Luiz), porque ele entoa louvores a quem lhe pague o almoço e, sobretudo, as cervejolas. Além disso nunca, mas nunca!, caia na asneira de o deixar pernoitar em sua casa se quiser mantê-lo como amigo. Passo a explicar: o Pacheco sem álcool é sorumbático; meio-bebido, é engraçado e espirituoso; bebido, é insuportável e só faz merda. Ora como aquele cabrão se levanta às cinco da manhã e às dez já está completamente bêbado... Ao fim do terceiro dia a única alternativa é expulsá-lo a pontapé. (…) Não sei quem é que ele conheceria nas Caldas, mas se se der ao trabalho de investigar e comparar a opinião desse(s) desgraçado(s) com a minha verificará que fui benevolente e compreensivo no que disse. Só o avisei porque, ao que parece, o meu caro amigo gosta de comer lautamente, pelo menos no fim do ano (e, previsivelmente, de cagar em igual medida) e o Pacheco tem uma prática e uma arte de pendura directamente proporcionais à idade.» Vinham estas palavras a (des)propósito da breve nota biográfica que abre as minhas Estórias Domésticas, nomeadamente por aí afirmar ter vindo viver para Caldas da Rainha depois de haver lido, num livro de Luiz Pacheco, ser esta «a terra onde melhor se caga porque é a terra onde melhor se come». O livro, o meu primeiro do Pacheco, é O Caso das Criancinhas Desaparecidas (tenho a edição do Círculo de Leitores, aparecida em Fevereiro de 1981). Abre com uma extraordinária introdução que acabei de rever declamada em Mais Um Dia De Noite, documentário realizado por António José de Almeida, com tudo o que importa saber sobre a vida de «um tipo livre, intensamente livre, livre até ser libertino (que é uma forma real e corporal de liberdade), livre até à abjecção, que é o resultado de querer ser livre em português». Sem pretender repetir-me, relembro que sou dos que preferem a palavra escrita aos homens. Cada vez mais me convenço que os homens, na sua generalidade, só nos servem para alimentarmos penas e ódios. Detesto endeusamentos e panegíricos, não suporto perspectivas epigonais. Por isso mesmo, quando penso um autor, opto por me focar na sua obra, evitando juízos sobre a vida do homem que a pariu. Luiz Pacheco, autor de uma obra à qual cheguei a partir de uma entrevista, é, no entanto, um caso desesperante. Nele tudo se confunde, nada se compartimenta. Não posso precisar se tomei contacto com as suas palavras a partir de uma entrevista cedida ao Blitz, vestido de Pai Natal, ou da entrevista à Já, nesse número de 25 de Julho de 1996 que ainda hoje guardo. Nesta última, dirigida por Paula Moura Pinheiro, o título é devastador: Luiz Pacheco, antes que se deixe morrer. Passaram 11 anos e mais qualquer coisa para que Luiz Pacheco, o homem, se deixasse morrer. Há-de ficar a obra. Discordo peremptoriamente dos que o desacreditam enquanto escritor, preferindo salientar-lhe o trabalho como editor e tradutor. Foi um crítico literário corrosivo e audaz, escrevia com a maldade nas unhas, não evitava desacatos, procurava-os, talvez em nome de uma verdade que era a sua. Foi um desses críticos de mãos sujas, mas de uma inteligência ainda superior à acutilância. Leia-se, a título de exemplo, O Caso do Sonâmbulo Chupista e perceba-se porquê. Como escritor, deixa um conjunto de textos imprescindíveis. Está entre os maiores da sua geração, sejam eles José Cardoso Pires, O’Neill, Cesariny, Saramago, Carlos de Oliveira, Agustina, Mário-Henrique Leiria, Abelaira ou quaisquer outros. Para o confirmar, basta passar os olhos por Exercícios de Estilo (1971, Editorial Estampa). A 3.ª edição, de 1998, encontra-se com relativa facilidade e termina com uma preciosa cronologia, do nascimento até ao ano da edição, elaborada por Ana da Silva. Poderão aí encontrar textos como Comunidade (Vítor Silva Tavares chama-lhe, e com razão, uma obra prima), O teodolito ou O Libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor. E depois há a epistolografia, muita e diversificada, da qual têm vindo a lume, inclusive, volumes desnecessários, fruto de um culto que, mais coisa menos coisa, toca o tal endeusamento tão típico do nosso fado saloio. Sabem os alfarrabistas do valor da obra de Luiz Pacheco, cujas primeiras e segundas edições há muito são vendidas a preços exorbitantes. Há pouco mais que cinco anos, a Livraria Alexandria publicou, de Luiz Pacheco, a correspondência com o poeta António José Forte. É um livro curioso, embora não fundamental. Permite apenas perceber que: «verdadeiramente, todos estamos sós». Mesmo quando escrevemos aos amigos. E na morte, como estaremos?
3 Comments:
hoje na 2 vai repetir um interessante documentário sobre a atribulada vida de luiz pacheco e sobre parte do seu talento.
dele tenho a Comunidade em fotocópias dado a impossibilidade até agora de comprar novo esta
Jorge GP
www.loucomotiva.com
Comprei o "Comunidade" quando estudava em Coimbra e é um dos melhores textos portugueses. O livro tinha um defeito de fabrico, a capa tinha sido colada de pernas para o ar. Pouco depois ofereci-o e não consegui arranjar outro.
Rui Costa
Pois é!
Subscrevo todo o lúcido comentário,
que acabo de descobrir e de ler.
O Luiz era mesmo assim.
Viva a sua obra.
Sou fã do "Comunidade", claro!
Tenho a edição de 1970 e "Os Namorados", em edição primeira e assinada pelo próprio.
Talvez, um dia, escreva sobre ele.
Por agora, medito...
joaquim alves
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