UM LENTO DESPERTAR
Há quem pareça sentir saudades dos tempos em que o actual Presidente da República, o mesmo que acabou de comemorar o "dia da raça", era Primeiro-ministro. Só isso explica tanta animosidade para com quem se manifestou nos últimos dias, independentemente das motivações, dos interesses e das conveniências partidárias por detrás dos protestos a que todos tivemos oportunidade de assistir. Algumas frases que quero registar, por manifestarem o pensamento não apenas do seu autor, mas de muitas pessoas ainda tão arreigadas ao politicamente correcto:
«Em Olhão existiram bloqueios de estrada e buscas a malas de automóveis particulares para encontrar peixe, que de resto foi atirado à estrada, e em Matosinhos os pescadores impediram a entrada dos vendedores e clientes na lota. Isso provavelmente significa que a greve não está a obter o impacto desejado, um problema de quem o organizou, mas estas atitudes de alguns pescadores são intoleráveis e lembram o pior de outros tempos. Que eu saiba ainda não voltamos ao PREC, por isso estes actos são casos de polícia e devem ser tratados como tal».
Não era preciso irmos ao PREC. As imagens acima reproduzidas são apenas um pequeno exemplo do que se passou durante os saudosos anos do cavaquismo. Já não se lembram da “guerra do carapau”?
«Não sei quem é que esta gente se julga, ou de que autoridade revolucionária se crê investida, mas espero que a polícia não deixe de acompanhar os «brigadistas» para permitir a venda e compra de peixe, espanhol, português ou com qualquer outro bilhete de identidade, a quem assim o queira».
Quem é que esta gente se julga? E quem é que se julga a gente que julga aquela gente? Há gente a passar mal neste país. Orgulho-me que a bola não os adormeça, que venham para a rua, que protestem, que abram os olhos. Quando as formas de luta legais se tornam inconsequentes é preciso partir para formas de luta radicais, é preciso mostrar que há alternativas à modorra de sempre. Ou vocês pensam que isto vai lá com os discursos do Manuel Alegre?
«Prosseguem, por todo o país, inacreditáveis actos de intimidação, vandalismo e violência. Um pouco por todo o lado vemos camionistas que obrigam outros a pararem nas estradas, ameaçam e «exigem» documentos de identificação, arremessam pedras e vandalizam camiões para impossibilitar a sua circulação».
A mais recente febre legalista também passa por aqui. Acho piada que se critiquem os camionistas e as transportadoras por estarem a protestar com acções à margem da lei. As greves, as paralisações, quando surgiram também eram ilegais. Depois foram legalizadas, tudo para que passassem a ser anódinas. Estou farto de greves inconsequentes, de paralisações inúteis. Ainda bem que o país começou a mexer, seja lá por alma de quem for. Queriam detenções? Queriam que a canalha fosse arrumada na gaveta à base da bastonada? Queriam sangue? Não perdem pela demora. Vão-se preparando, sentem-se confortavelmente nos "maiples" dos vossos lindos e confortáveis lares. Acabaram de assistir a uma amostra do que aí vem. Faço minhas as palavras do Álvaro:
«O Estado de Direito já não é direito, é falho, e por isso, independentemente das movimentações políticas e da estreiteza das suas reivindicações, protestos como os dos pescadores e dos camionistas fazem todo o sentido, e não se pode querer arrumá-los dentro do sistema de cuja falência eles próprios são sinal claro. Além disso, esperemos que não sejam os únicos protestos a fazer mover um descontentamento generalizado e activo, que deveria produzir-se na proporção em que vão faltando medidas que corrijam as imensas desigualdades e injustiças sociais, não só entre os cidadãos mas entre instituições, empresas, etc».
3 Comments:
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demasiado optimista, não?
Sem-se-ver, haja quem.
Manuel, não. É uma inevitabilidade. Não tem nada que ver com pessimismo ou optimismo. Desejaria antes que nada disto fosse NECESSÁRIO.
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