Portugal multicultural
O desafio foi-me lançado aqui e é muito difícil fazer uma análise sobre o aqui e agora de Portugal, sinto-me demasiado envolvida, não tenho distância da minha cultura, sou parte dela e vivo-a. Tudo o que lhe diz respeito, afecta-me mais do que outra qualquer. O meu habitat natural é este fim de mundo, com um clima maravilhoso, paisagens fantásticas, praias espectaculares, com o senão, “está tudo fodido” como costuma dizer a minha irmã arquitecta, que trabalha na área do património arquitectónico há mais de vinte anos, uma especialista classificada que neste momento poderá ficar sem emprego, no actual momento político do país. O principal problema de Portugal são os portugueses, no qual estou incluída? São os políticos corruptos? Vou começar pela geografia: Portugal é um pequeno país ancião, com várias civilizações por camadas, localizado entre a orgulhosa Espanha, à qual resistimos ao contrário dos outros povos ibéricos e o infinito mar. Este é o primeiro aspecto difícil no país: o seu isolamento geográfico leva sempre a duas hipóteses, voltar costas a Castela construindo muralhas ou aventurarmo-nos no misterioso grande mar. Os portugueses ou se fecham no seu território, orgulhosamente sós, permanecendo ignorantes, tacanhos e por isso são o povo mais desconfiado da Europa Ocidental, ou se aventuram no mundo; em cada português existe sempre esta dualidade, o descontentamento com a situação do seu habitat natural e a crença no paraíso que é o desconhecido resto do mundo. Os portugueses que habitam o país fecham-se com medo, desejam o que não têm neste pequeno território, invejam o que não conhecem, acham que o outro está sempre melhor, têm vergonha do país em que vivem e acreditam que tudo é maravilhoso noutros sítios, o que é mentira; os que habitam no exterior sentem saudades, têm um “cortinado roxo que lhe cobre o coração”, como cantam popularmente os açorianos, um luto em relação ao paraíso perdido, a pátria que entretanto idealizaram à distância, mas basta uma pequena estadia por cá para se revoltarem de novo e partirem em busca da ilha dos amores. Quanto ao facto de o nosso país ter uma classe política corrupta, temos 800 anos de vida sem tradição democrática, aquilo a que chamo de civilização por camadas, um enguiço e com o isolamento geográfico tudo chega a Portugal tardiamente, até a democracia tardou, chegou com uma revolução de flores. Existe um aspecto que me preocupa deveras no país actual: a educação. A democratização do ensino começou em Portugal nos finais dos anos 60, com as reformas de Veiga Simão, pouco antes do 25 de Abril, com cerca de 200 anos de atraso, visto que é uma ideia que nasceu na revolução francesa. Se tivermos em conta os países do norte da Europa, que com a reforma protestante iniciaram a alfabetização das populações, consequência de um regresso à leitura da Palavra bíblica, o atraso ainda é maior. Preocupa-me este país sem uma política de educação como deve de ser, porque poderá ser um país sem futuro. Assim, preocupa-me o estado da educação aqui e agora, que não acompanhou as mudanças sociais dos últimos anos, o actual descrédito do ensino público, com um primeiro ministro a promover o Magalhães, a máquina-solução para todos os males, quando as máquinas nunca poderão substituir as pessoas. Preocupa-me que a educação com qualidade seja de acesso apenas às elites, um verdadeiro retrocesso em termos do desenvolvimento do país democrático, que era rural há trinta anos e se transformou no actual audiovisual em tão pouco tempo; houve mudanças radicais em tudo e o aspecto positivo é que agora fazemos parte da Europa comunitária, abrimos as portas e ainda bem que assim foi, a milhares de retornados depois do 25 de Abril, à imigração dos brasileiros, dos países africanos, dos outros países da Europa, hoje em dia podemos circular livremente no continente europeu e o território português é multicultural – a meu ver este aspecto dará origem à verdadeira revolução que já começou, o cocktail de culturas das próximas gerações irá derrubar as muralhas do orgulhosamente sós, será através do sangue, dos mestiços, os preconceituosos e medrosos tabus portugueses serão destruídos através de uma revolução de valores e costumes; a falta de tradição democrática e a classe política corrupta, neste meu ponto de vista optimista, será derrubada por esta verdadeira revolução tardia, acredito nela. Os portugueses estão a mudar, os filhos da democratização do ensino, de que faço parte, serão a geração de transição para a verdadeira revolução no país, porque neste momento o mundo já está no interior do nosso território, nos portugueses que para além de continuarem a ser celtas, ibéricos, lusitanos, latinos, suevos, visigodos, árabes, judeus, são agora também africanos, brasileiros, europeus de leste, do norte, do sul, viva a nova invasão dos “bárbaros”, bem necessitados estávamos dela. Apesar da situação do aqui e agora do país me indignar, tenho esperança que a revolução já começou, uma verdadeira revolução cultural, o Portugal multicultural.
Maria João
Maria João
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