6.1.09

APRENDER A CONTAR #59

HISTÓRIA COM UMA BANDEIRA DO VIETCONG

O sol de Verão calcinava o deserto. Red saltou do comboio de mercadorias, quando este abrandou, ao chegar à estação. Foi arrear o calhau numas rochas altas, do lado norte, limpou o cu com umas folhas, depois andou umas cinquenta jardas, sentou-se por detrás de outra rocha, abrigado do sol, e pôs-se a enrolar um cigarro. Viu os hippies que se dirigiam na sua direcção. Dois rapazes e uma rapariga. Tinham saltado do comboio na estação e voltavam para trás.
Um dos gajos trazia uma bandeira do Vietcong. Os gajos pareciam moles e inofensivos. A rapariga tinha um cu grande e giro ― um cu tão grande que quase rebentava os blue jeans. Era loura e tinha muitas borbulhas. Red aguardou que chegassem à beira dele e disse:
― Heil Hitler.
Os hippies riram-se.
― Onde é que vocês vão? ― perguntou.
― Queremos ir a Denver. Acho que vamos conseguir lá chegar.
― Ora bem ― disse Red ―, vão esperar um bocado, queu vou ter que me servir dessa gaja.
― Que queres tu dizer?
― Não ouviram bem?
Red agarrou a rapariga, pôs-lhe uma mão por detrás do cabelo e outra no cu e beijou-a. O rapaz mais alto agarrou-o pelos ombros.
― Ei, que é isso? ― disse.
Red voltou-se e deitou o gajo ao chão com uma esquerda curta e seca. Um soco no estômago. O gajo ficou estendido, a respirar com dificuldade. Red fitou o gajo que trazia a bandeira do Vietcong:
― Se não queres aleijar-te, não chateies.
E depois acrescentou, virando-se para a rapariga:
― Anda lá, vamos pra trás daquelas rochas.
― Não senhor, não vou ― disse a rapariga ― não vou.
Red puxou da navalha de ponta e mola, carregou no botão e encostou-lhe a lâmina ao nariz, carregando.
― Achas que ficavas bonita sem nariz?
Ela não respondeu.
― Corto-to às fatias ― disse ele, com um sorriso mau.
― Ouve lá ― disse o gajo da bandeira ― tu não podes fazer isso.
― Vamos lá, miúda ― disse Red, empurrando-a para trás das rochas.
Red e a rapariga desapareceram por detrás das rochas. O gajo da bandeira foi ajudar o amigo. Ficaram ali sem saber o que fazer. Esperaram dez minutos.
― Está a foder a Sally. Não podemos fazer nada? Está a fodê-la agora mesmo.
― Que podemos nós fazer? Ele é louco.
― Devíamos fazer alguma coisa.
― A Sally deve estar a pensar que somos uns merdas.
― E somos. Somos dois, podíamos tê-lo dominado.
― Ele tem uma navalha.
― Não interessa. Podíamos ter-lha tirado.
― Sinto-me mal, mal de caralho.
― E como achas que se sente a Sally? Ele está a fodê-la.
Ficaram à espera. O rapaz alto que apanhara um soco chamava-se Leo. O outro, Dale. O sol escaldava.
― Já só temos dois cigarros ― disse Dale. ― Achas que os fumemos?
― Como raio podemos nós fumar, com o que s'está a passar por trás daquelas rochas?
― Tens razão. Meu Deus, por que é que está a demorar tanto?
― Sei lá. Achas que ele a matou?
― Estou a ficar preocupado.
― Talvez seja melhor ir dar uma olhadela.
― Tá bem, mas tem cuidado.
Leo deu a volta às rochas. Havia uma colina com uns arbustos. Engatinhou por ali acima, por detrás dos arbustos, e olhou lá para baixo. Red estava a foder Sal1y. Leo esteve a olhar. Parecia que nunca mais acabava. Red não parava. Leo desceu a colina a rastejar, depois pôs-se de pé e dirigiu-se para junto de Dale.
― Acho que ela está bem ― disse.
Esperaram mais algum tempo.
Por fim, Red e Sal1y saíram de detrás das rochas e aproximaram-se dos rapazes.
― Obrigado, irmãos, ela é cá um pedaço! ― disse Red.
― Quero que apodreças no Inferno ― disse Leo.
Red riu-se e, fazendo o sinal dos hippies com os dedos, disse:
― Paz! Paz! Ora bem, acho que me vou embora.
Enrolou um cigarro rapidamente, sorrindo enquanto lambia a mortalha. Acendeu-o, inalou o fumo e dirigiu-se para norte, abrigando-se do sol.
― Vamos à boleia durante o resto do caminho. Os comboios de mercadoria não prestam ― propôs Dale.
― A estrada fica para oeste, vamos ― disse Leo.
Dirigiram-se para oeste.
― Meu Deus! ― disse Sal1y. ― Mal consigo caminhar! Ele é um animal!
Leo e Dale não disseram nada.
― Espero não ter ficado grávida ― disse Sally.
― Sally ― disse Leo ―, desculpa...
― Ora, cala a caixa!
Continuaram a andar. A tarde começava a avançar e o calor do deserto ia abrandando.
― Odeio homens ― disse Sally.
Um coelho saltou detrás de uma moita e Leo e Dale deram um salto quando ele passou a correr.
― Um coelho ― disse Leo ―, um coelho.
― O coelho assustou-vos, não assustou?
― Ora, depois do que se passou, estamos numa pilha de nervos!
― Ai, vocês estão nervosos! E eu? Ouçam lá, vamos sentar-nos um bocado, estou rebentada.
Havia uma mancha de sombra por ali e Sally sentou-se entre os dois.
― No entanto, sabem... ― disse a rapariga.
― O quê?
― Não foi assim tão mau. Quer dizer, dum ponto de vista estritamente sexual. O gajo deu-me mesmo uma valente foda. Do ponto de vista estritamente sexual, foi uma experiência e tanto.
― O quê? ― exclamou Dale.
― Quer dizer, moralmente, odeio o gajo. O filho da puta devia ser morto a tiro. É um porco, é um cão. Mas, de um ponto de vista estritamente sexual, foi uma experiência e peras...
Ficaram ali sentados durante um bocado sem dizerem nada, depois pegaram nos cigarros e fumaram-nos passando-os em volta.
― Quem me dera ter erva ― disse Leo.
― Deus do céu, já cá faltava ― disse SaIly. ― Vocês são uns zeros à esquerda.
― Talvez te sentisses melhor, se te violássemos? ― perguntou Leo.
― Não digas asneiras.
― Achas que não sou gajo para te violar?
― Eu devia mas é ter ido com ele. Vocês são uns tansos.
― Ai agora gosta dele? ― perguntou Dale.
― Esquece! ― disse Sally. ― Vamos lá para a estrada pôr os polegares a trabalhar.
― Eu dou-te uma foda que até gritas ― disse Leo.
― Posso ver? ― perguntou Dale, rindo-se.
― Não vai haver espectáculo nenhum ― disse Sally. ― Vamos. Vamos embora.
Levantaram-se e dirigiram-se para a estrada. A caminhada levou dez minutos. Quando chegaram, Sally pôs-se na berma da estrada de polegar erguido. Leo e Dale ocultaram-se. Haviam esquecido a bandeira do Vietcong, tinham-na deixado na estação das mercadorias. Estava caída no chão, no chão sujo, junto aos carris. A guerra continuava. Sete formigas vermelhas, das grandes, atravessavam a bandeira, a rastejar.

Charles Bukowski (1920–1994), in A Sul de Nenhum Norte, trad. Manuel Resende, pp. 123-129, Relógio D’Água, Outubro de 1997.


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