ESTRANHA CRIATURA
Para o Diogo Vaz Pinto,
atacado pelo desencanto,
no desespero e na frustração.
O teu comentário fez-me pensar em imensas coisas, mas a primeira que me veio à memória foi mesmo a figura obscura do padre Jean Meslier (1664 – 1729). Se não conheces a história, eu tentarei contá-la sem o estro que ela merece mas com honesta humildade. Este solitário enteado de Deus nasceu numa aldeia das Ardenas. Filho de um comerciante, acabou ordenado padre de Étrépigny. Ninguém poderia prever o que a morte revelou: um ódio impróprio de um servo, um servo sem Senhor que levou toda uma vida na mais inimaginável hipocrisia. Ao mesmo tempo que ouvia confissões, enquanto rezava missas e administrava sacramentos, este “padre sem Deus” depositava na folha a sua mais autêntica virulência, as memórias que um dia viriam a escandalizar o mundo dos comedidos tementes a Deus. Naquele tempo não havia Internet onde pudesse um homem vomitar suas memórias. Também ainda não tinham inventado os recuperadores de calor. O que havia era uma implacável fogueira ávida de ímpios, ou seja, de homens que pensassem pela sua própria cabeça, sem medo, desprendidamente, sem concessões; havia, simplifiquemos, uma maior facilidade em fazer calar as vozes incomodativas, desenfreadas, demoníacas, num certo sentido baudelairiano do demo, as vozes desprevenidas; havia uma relação metafísica entre as causas e os efeitos, o que impelia os incautos a várias cautelas e continha os arrebatamentos das mentes impuras (impuro não era apenas o que não fosse branco, eram todos os que questionassem o branco mesmo que o branco fosse evidentemente negro). Estou certo de que saberás como eram esses tempos. Avancemos. Durante quarenta anos, pela calada, este homem foi redigindo a sua Memória. Voltaire expurgou-o, muitas falsificações foram surgindo, Diderot terá bebido daquele sangue (não sei, Armand Farrachi diz que sim e eu não questiono a sabedoria de Armand Farrachi), gente diversa começa a citá-lo, para na segunda metade do séc. XIX Rudolf Charles finalmente publicar uma versão verdadeira do vómito que foi a Memória deste padre Jean Meslier. Tornado subitamente precursor disto e daquilo, a verdade é que de Meslier podemos afirmar apenas a revolta subterrânea de um homem SÓ (vai em maiúsculas para se perceber a dimensão de uma palavra tão estupidamente vulgarizada nos dias que correm em poemas de cacaracá), a mesma revolta subterrânea que muito mais tarde emergiu no génio de homens como Sade, Artaud (o mestre do teatro da crueldade), ou mesmo no romantismo de um Byron, de um Percy Bysshe Shelley, entre tantos outros (felizmente para quem os leia). Olha bem para a cor daquele ódio: «desejaria ter o braço, a força, a coragem e a massa de um Hércules para expurgar o mundo de todos os vícios e de todas as iniquidades, e para ter o prazer de abater todos estes monstros de tiranos de cabeça coroada, e todos os outros monstros, ministros de erros e de iniquidades, que fazem sofrer tão impiedosamente todos os povos da Terra. (…) Nunca são demasiados o ódio e a aversão por pessoas que causam sempre tão detestáveis males e que enganam tão universalmente os homens». E aponta a solução: «todos os grandes da Terra e todos os nobres enforcados e estrangulados com as tripas dos padres». Não aprecias a cor deste vómito? Não lhe sentes a beleza da autenticidade? Não te chega ao nariz a fragrância deste amor? Eu penso no padre Jean Meslier sem pretender lições, conclusões, penso simplesmente como quem se limita a senti-lo e dá-me um gozo tremendo, eleva-me o caralho às nuvens saber que, mesmo apodrecendo nas catacumbas, este homem soube sobreviver à fogueira dos seus alvos guardando em mão fechada o eco do seu ódio. Agora por aí anda esse eco, voando nas páginas dos livros e pairando sobre a terra como uma espécie de filtro que nos protege dos caprichos divinos. É assim a vida. Nada sublime, portanto. Daqui a pouco estaremos todos mortos e ninguém deu por nada. Na verdade, já estamos todos mortos. Talvez tu ainda não tenhas dado por isso. Talvez a isso se deva o levares-te tão a sério. Desimportantiza, homem. Mas não sejas injusto. Há uma coisa no teu comentário que me entristece. Acusas: «Vários são os posts onde se levantam insinuações e suspeições podres, ridículas muitas vezes». Diz-me um e eu prometo que me calarei para toda a eternidade. Um só. Um. É que eu sempre te tratei por tu, ao contrário de ti que começaste por me tratar por você. Lembras-te? E diz-me: pensarias o mesmo de mim se eu tivesse gostado da tua revista tanto quanto o intocável Júdice disse que gostou? Eu até pensava que já não visitavas o Insónia, depois de teres deixado de o linkar lá no teu melhor amigo aquando do debate sobre a putativa novíssima geração de poetas que foi sugerida no Ípsilon. E, já agora, por que é que me quiseste oferecer o primeiro número da Criatura? Diz-me se na tua opinião já nessa altura este espaço era um antro de mexericos, uma destilação de fel e de veneno. Não me digas que também te arrependeste. Constato que não me mandaste o segundo número. Ai como te odeio por isso! Fazeres-me gastar dinheiro desta maneira. Não te refreies, Diogo. Afinal, por que andas para aqui a patinar nas caixas de comentários de uma pocilga? Vomita que faz bem. Quando estamos ébrios, o melhor é mesmo despejar tudo cá para fora. Aprende alguma coisa com o teu amado Baudelaire. Vomita, vomita. Não te contenhas, vomita. Fazes muito bem em despejar sobre mim o teu vómito enquanto me acusas de despejar o meu. Olha, eu apaixonei-me pela minha mulher, já lá vão 17 anos, depois de ela vomitar para cima dos meus pés. Não queiras tu que acabe a apaixonar-me por ti.
P.S.: Resta dizer que não me arrependo de uma letra do que escrevi aqui. Voltaria a escrever exactamente o que escrevi, tendo em conta as circunstâncias que motivaram o post. Aliás, estou longe de ter sido o único a dizer o mesmo. Por que será que o Diogo só me censura a mim?
atacado pelo desencanto,
no desespero e na frustração.
O teu comentário fez-me pensar em imensas coisas, mas a primeira que me veio à memória foi mesmo a figura obscura do padre Jean Meslier (1664 – 1729). Se não conheces a história, eu tentarei contá-la sem o estro que ela merece mas com honesta humildade. Este solitário enteado de Deus nasceu numa aldeia das Ardenas. Filho de um comerciante, acabou ordenado padre de Étrépigny. Ninguém poderia prever o que a morte revelou: um ódio impróprio de um servo, um servo sem Senhor que levou toda uma vida na mais inimaginável hipocrisia. Ao mesmo tempo que ouvia confissões, enquanto rezava missas e administrava sacramentos, este “padre sem Deus” depositava na folha a sua mais autêntica virulência, as memórias que um dia viriam a escandalizar o mundo dos comedidos tementes a Deus. Naquele tempo não havia Internet onde pudesse um homem vomitar suas memórias. Também ainda não tinham inventado os recuperadores de calor. O que havia era uma implacável fogueira ávida de ímpios, ou seja, de homens que pensassem pela sua própria cabeça, sem medo, desprendidamente, sem concessões; havia, simplifiquemos, uma maior facilidade em fazer calar as vozes incomodativas, desenfreadas, demoníacas, num certo sentido baudelairiano do demo, as vozes desprevenidas; havia uma relação metafísica entre as causas e os efeitos, o que impelia os incautos a várias cautelas e continha os arrebatamentos das mentes impuras (impuro não era apenas o que não fosse branco, eram todos os que questionassem o branco mesmo que o branco fosse evidentemente negro). Estou certo de que saberás como eram esses tempos. Avancemos. Durante quarenta anos, pela calada, este homem foi redigindo a sua Memória. Voltaire expurgou-o, muitas falsificações foram surgindo, Diderot terá bebido daquele sangue (não sei, Armand Farrachi diz que sim e eu não questiono a sabedoria de Armand Farrachi), gente diversa começa a citá-lo, para na segunda metade do séc. XIX Rudolf Charles finalmente publicar uma versão verdadeira do vómito que foi a Memória deste padre Jean Meslier. Tornado subitamente precursor disto e daquilo, a verdade é que de Meslier podemos afirmar apenas a revolta subterrânea de um homem SÓ (vai em maiúsculas para se perceber a dimensão de uma palavra tão estupidamente vulgarizada nos dias que correm em poemas de cacaracá), a mesma revolta subterrânea que muito mais tarde emergiu no génio de homens como Sade, Artaud (o mestre do teatro da crueldade), ou mesmo no romantismo de um Byron, de um Percy Bysshe Shelley, entre tantos outros (felizmente para quem os leia). Olha bem para a cor daquele ódio: «desejaria ter o braço, a força, a coragem e a massa de um Hércules para expurgar o mundo de todos os vícios e de todas as iniquidades, e para ter o prazer de abater todos estes monstros de tiranos de cabeça coroada, e todos os outros monstros, ministros de erros e de iniquidades, que fazem sofrer tão impiedosamente todos os povos da Terra. (…) Nunca são demasiados o ódio e a aversão por pessoas que causam sempre tão detestáveis males e que enganam tão universalmente os homens». E aponta a solução: «todos os grandes da Terra e todos os nobres enforcados e estrangulados com as tripas dos padres». Não aprecias a cor deste vómito? Não lhe sentes a beleza da autenticidade? Não te chega ao nariz a fragrância deste amor? Eu penso no padre Jean Meslier sem pretender lições, conclusões, penso simplesmente como quem se limita a senti-lo e dá-me um gozo tremendo, eleva-me o caralho às nuvens saber que, mesmo apodrecendo nas catacumbas, este homem soube sobreviver à fogueira dos seus alvos guardando em mão fechada o eco do seu ódio. Agora por aí anda esse eco, voando nas páginas dos livros e pairando sobre a terra como uma espécie de filtro que nos protege dos caprichos divinos. É assim a vida. Nada sublime, portanto. Daqui a pouco estaremos todos mortos e ninguém deu por nada. Na verdade, já estamos todos mortos. Talvez tu ainda não tenhas dado por isso. Talvez a isso se deva o levares-te tão a sério. Desimportantiza, homem. Mas não sejas injusto. Há uma coisa no teu comentário que me entristece. Acusas: «Vários são os posts onde se levantam insinuações e suspeições podres, ridículas muitas vezes». Diz-me um e eu prometo que me calarei para toda a eternidade. Um só. Um. É que eu sempre te tratei por tu, ao contrário de ti que começaste por me tratar por você. Lembras-te? E diz-me: pensarias o mesmo de mim se eu tivesse gostado da tua revista tanto quanto o intocável Júdice disse que gostou? Eu até pensava que já não visitavas o Insónia, depois de teres deixado de o linkar lá no teu melhor amigo aquando do debate sobre a putativa novíssima geração de poetas que foi sugerida no Ípsilon. E, já agora, por que é que me quiseste oferecer o primeiro número da Criatura? Diz-me se na tua opinião já nessa altura este espaço era um antro de mexericos, uma destilação de fel e de veneno. Não me digas que também te arrependeste. Constato que não me mandaste o segundo número. Ai como te odeio por isso! Fazeres-me gastar dinheiro desta maneira. Não te refreies, Diogo. Afinal, por que andas para aqui a patinar nas caixas de comentários de uma pocilga? Vomita que faz bem. Quando estamos ébrios, o melhor é mesmo despejar tudo cá para fora. Aprende alguma coisa com o teu amado Baudelaire. Vomita, vomita. Não te contenhas, vomita. Fazes muito bem em despejar sobre mim o teu vómito enquanto me acusas de despejar o meu. Olha, eu apaixonei-me pela minha mulher, já lá vão 17 anos, depois de ela vomitar para cima dos meus pés. Não queiras tu que acabe a apaixonar-me por ti.
P.S.: Resta dizer que não me arrependo de uma letra do que escrevi aqui. Voltaria a escrever exactamente o que escrevi, tendo em conta as circunstâncias que motivaram o post. Aliás, estou longe de ter sido o único a dizer o mesmo. Por que será que o Diogo só me censura a mim?
10 Comments:
se havia dúvidas, este post é um bom exemplo do que o Diogo Vaz Pinto disse:
vc gosta de atrair as atenções. e porquê? vou explicar e fazer alguma pedagogia.
faz 10 posts por dia, vive paranoico com as visitas (ja vi aqui posts com numeros), faz posts grandes sobre tudo e todos (sabe escolher bem os alvos - até o facto de ter feito um post sobre o Rogério Casanova - apesar de se fingir mt indignado - é google-friendly). Se nao gostava, pq não ignorou?
Sabe que é fácil as pessoas virem cá parar. (estudou SEO, por isso está sempre a linkar para os seus próprios posts e a recordar o que de "bom" já fez). - e depois ainda coloca aquela frase do "é melhor nao pensar mais nisso", a dar uma de humilde.
Faz posts em que ridiculariza as pessoas, até ridiculariza os clientes da sua loja de livros, e olhe que este mundo é pequeno e alguns já se sentiram bastante ofendidos por esse seu comportamento.
e este seu post de vítima nao fica bem. ainda para mais com um tique intelectual a contar uma historia, a fazer pouco,....e depois a dizer ao rapaz para vomitar de forma mal-criada, como se estivesse estragado por dentro. isto depois de ter dado a entender que o Diogo lhe mandou a Revista Criatura (primeiro volume) apenas para obter a publicidade fácil no seu blogue, o que é uma insinuação mt feia.
enfim, espero que isto sirva para reflectir, dr.henrique fialho. julgo que ainda é jovem mas a sua postura deixa mt a desejar.
com este post o dr. henrique faz-me lembrar aquele do sketch do gato fedorento que diz:
"e o que é que eu fiz? e o que é que eu fiz?".
Um ultimo conselho: olhe para o excelente exemplo do blog Bibliotecário de Babel. é um blog q em mts aspectos de assemelha, excepto na atitude do seu administrador, nao precisando o jose mario silva de atacar pessoas para fazer uma boa "casa".
D-e-l-i-r-a-n-t-e!
O estilo é conhecido de todos.
Só um esclarecimento:
O que é SEO?
censura caro henrique? tenho de lhe dedicar um post bem extenso :)
Todos os comentários anónimos que não se refiram exclusivamente aos visados serão apagados.
Caros HMBF/DVP, visto de fora, não é fácil entender este desperdício de balas.
Ambos conhecem, decerto, uma das causas/efeitos do marasmo: o facto de a maior parte das pessoas ler muito pouco. Ora, ambos escrevem, ambos divulgam. Creio até que conseguem ser lidos por mais pessoas do que publicações da especialidade em papel. Para quê então andar aos tiros a espelhos?
O meio literário é pequeno? Claro que é. Mais uma razão para apontar as bazucas aos quase dez milhões de que ninguém quer saber, ou à meia dúzia de fdps responsáveis por eles não quererem saber.
(um diz-que-cleimer: se não vos lesse a ambos, não estaria para aqui vestido de Madre Teresa de Massamá)
José Quintas, percebo o teu comentário. E acredita que também muito me espanta o que aqui se passou. A verdade é que, se me lês, sabes que não poderia calar-me ao comentário que me foi dirigido pelo Diogo. Ou poderia?
É certo que não. Se as v/posições estivessem do avesso talvez DVP também tivesse reagido, mas para mim (+1x, apenas leitor de ambos) também é claro que a contenda estava a ir longe demais: «imbecil, infantilóide» e o diabo a sete. Ora, tais epítetos seriam apenas justificáveis se DVP tivesse acusado alguém de estupidez ou, apenas por ser mais velho, de senilidade. É certo que usou outros qualificativos que não podiam deixar-te indiferente. Tu já respondeste. +1x, visto de fora, acho ser melhor parar por aqui. Há muito mais para ler, muito mais para divulgar.
Eu nunca chamei imbecil ao DVP. Disse que ele estava a ser infantilóide. Não foi? Não sou de sacudir a água do capote. Como disse, isto, por mim, nunca tinha sucedido. Limitei-me a responder. Acho que não insultei ninguém. Não esperem que me cale quando me provocam porque não é do meu feitio. O Diogo, se quiser, que responda às questões que eu lhe coloquei. Do meu ponto de vista são pertinentes e ajudam-me a tentar perceber o tom incompreensível do seu comentário. A minha verdade é esta: nunca consegui compreender o porquê desta animosidade, embora seja levado a pensar que as razões que a podem tornar compreensível são as que eu aponto. Eu nunca tive absolutamente nada contra o DVP ou contra a revista que ele dirige. Do Diogo, ouvi falar pela primeira vez quando ele enviou umas coisas para a Minguante (à época eu fazia parte do corpo editorial da revista) e nós publicámos; mais tarde ele tomou a iniciativa de me contactar por e-mail (se ele quiser que revele o tom desses e-mails); eu escrevi o que escrevi sobre a revista Criatura e o tom alterou-se. Estes são os factos. Ao contrário do Diogo, o António Ramos Pereira, que também colaborou na Criatura, revelou uma atitude completamente diferente e até me mandou, já por duas ou três vezes, uns textos pedindo-me opinião sobre eles. Respondi da primeira, na respondi das outras por manifesta falta de tempo e de paciência. Resta dizer que eu simpatizo com a revista, pelo que ainda se me torna mais incompreensível a atitude do Diogo. Não gostei tanto do primeiro número como outros gostaram, achei ridículo (e não fui o único, embora tenha sido dos poucos a declará-lo publicamente) o destaque atribuído no suplemento do Público, mas nunca isso me impediu de comprar a revista e lê-la com agrado indo descobrindo nela coisas que gosto mais e outras de que gosto menos. Portanto, tudo isto me parece algo surreal. E só mesmo uma atitude infantilóide, mimada, pode, até prova em contrário, explicar o sucedido. Como diz o outro, mas que merda de democracia é esta que sempre que alguém critica alguma coisa é um ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai?
o "António Ramos Pereira", apesar de ser - sem qualquer dúvida - um jovem de rara beleza, não é para aqui chamado. Obrigadinhos
corriga-me se estou enganado, mas creio que nunca se apagou comentários que se referissem "exclusivamente aos visados". porquê fazê-lo agora?
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