APRENDER A CONTAR #72
REGRESSAR À NATUREZA
Há algum tempo atrás, ia eu a conduzir pela Henry Hudson Parkway quando um Jaguar parou no meio do trânsito para que o condutor, vestido de Armani, se pudesse aliviar. Era-lhe completamente indiferente que tivéssemos uns vislumbres do seu mijo espalhando-se ao vento. Trata-se de uma coisa que acontece com grande frequência — ter de se responder ao apelo da Natureza ao ar livre — e no entanto é extremamente raro que uma mulher se alivie assim dessa maneira. Poderia defender-se ser a estrutura física do homem que lhe permite puxá-lo para fora e mijar naturalmente ao ar livre sem o aparato prisional de um urinol, ou que mijar ao ar livre contra um carro ou um edifício é algo que nos realiza plenamente. Acredito, porém, que isso se prende com o ritual masculino da ostentação territorial, à semelhança dos cães, que assinalam o seu território.
É muito interessante que na nossa sociedade pensante, com as suas sofisticadas sensibilidades, a ideia de reter as urinas seja impensável para o macho. Uma das razões pelas quais as mulheres devem reter as urinas é a de que, caso mijassem na rua, seriam tidas na conta de sexualmente desviadas, e sujeitas a violência sexual. Os homens também podem pôr-se em tronco nu para ficarem mais confortáveis, mas uma mulher que o faça será de imediato sexualizada, desejada e avaliada.
Qualquer bairro tem os seus mijatórios preferidos, designação estabelecida de modo colectivo e inconsciente. Estou certa de que no vosso quarteirão vocês sabem onde mijam os vossos pares. Normalmente é contra qualquer coisa, o que lhes dá a sensação de serem invisíveis (num ritual semelhante, os cães e os gatos tentam sem sucesso enterrar os seus cagalhões).
Proponho que as mulheres regressem à Natureza e mijem também em público. Usem saias amplas e compridas sem nada por baixo, abram as pernas, deixem-no escorrer e vão-se embora. Mijem em todos os museus de arte que não representem equitativamente as mulheres e as minorias. Mijem em todas as cabinas de voto onde haja apenas machos brancos para eleger, e mijem em todas as estações de rock clássico que apenas passem música de grupos de machos brancos. Depois, quando as mulheres obtiverem finalmente o direito de mijar em público, poderemos reunir-nos para grandiosos encontros de mijo sobre os relvados da Casa Branca.
Uma coisa vos digo, eu só não gostaria era que houvessem lavabos mistos (ainda que com urinóis), já que vocês, os gajos, nunca acertam a pontaria.
Karen Finley (1956), in Tratamento de Choque, trad. Jorge P. Pires, Frenesi, pp. 93-94, 2003.
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