27.10.06

IVG # 7

Luís Rainha responde, e bem, aos chiliques de Eduardo Pitta sobre «uma conversa da treta, a propósito do aborto»:

«O artigo 140.º do nosso Código Penal descreve os casos em que a IVG não é ilícita, começando por:
"a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;
b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;"
Por acaso, o artigo 417 bis do Código Penal dos nossos vizinhos até faz exigência parecida: "Que sea necesario para evitar un grave peligro para la vida o la salud física o psíquica de la embarazada". Só que se nota uma crucial divergência, mesmo aos olhos de quem, como eu, não é jurista: a falta dos adjectivos "irreversível" ou "duradoura" a classificar os perigos que a saúde física ou psíquica da mulher grávida terá de correr. O que faz toda a diferença: imaginam algum psiquiatra a certificar que alguém — que não um convalescente de AVC ou de lobotomia — vai por certo ter problemas psíquicos indeléveis ou delongados? Claro que não.
Mas há mais. A Lei 90/97 veio deixar claro que "o Governo adoptará as providências organizativas e regulamentares necessárias à boa execução da legislação atinente à interrupção voluntária da gravidez". Isto aconteceu com a Portaria n.º 189/98, que obriga à constituição de "comissões técnicas de certificação", compostas por "três ou cinco médicos como membros efectivos e dois suplentes", incluindo "a presença obrigatória de um obstetra/ecografista, de um neonatologista e, sempre que possível, de um geneticista, sendo os restantes elementos necessariamente possuidores de conhecimentos categorizados para a avaliação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez". Coisa simples e pouco burocrática, claramente vocacionada para simplificar a vida às grávidas em risco. Eis como a lei se viu regulamentada com generosa abrangência.
Já se começa a tornar claro o abismo que separa esta situação da espanhola, não? É que lá, nas clínicas que hoje atraem inúmeras portuguesas, basta um “dictamen emitido con anterioridad a la intervención por un médico de la especialidad correspondiente, distinto de aquel bajo cuya dirección se practique el aborto” para que a intervenção possa ocorrer.»

in Aspirina B.
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2 Comments:

At 11:57 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Ó Henrique Fialho, você que até gosta de fazer crítica literária, acaso leu o meu post com olhos de ler? Tem a certeza? Então eu acuso os médidos de chilique «objector» e eu é que os tenho? Francamente.

 
At 9:02 da tarde, Blogger hmbf said...

Caro Eduardo Pitta, muito me apraz que chame crítica literária aos meus posts sobre livros. É uma interpretação, convenha, demasiado lisonjeira do que faço.

Li o seu post com toda a atenção, tal como o subsequente. O seu chilique, ou pelo menos o chilique que lhe aponto, não é da mesma ordem do chilique que o Eduardo acusa aos médicos portugueses. No que lhe respeita a questão é de outra ordem, ou seja, uma comparação, quanto a mim e, pelos vistos, quanto ao Luís Rainha, muito desfalecida entre duas leis bem diferentes. E o Eduardo sabe, ou pelo menos foi obrigado a pensar nisso, que são diferentes, por isso mesmo o seu último post sobre o tema. Diria mesmo que o último deveria ter sido o primeiro.

A lei portuguesa é má, deve ser alterada, ponto final. Só mais isto: as leis fazem-se para as sociedades a que se aplicam. Há-de concordar comigo que nestas matérias a sociedade espanhola está muito mais evoluída que a nossa. Se outras razões não houvessem, pelo menos essa obrigaria a uma defesa intransigente da mudança da lei. É que quando a lei é má não basta, de facto, aplicá-la. E ela é má, desde logo, porque se permite ser inexequível. Mas enfim…

 

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