10.2.06

Inês Lourenço said...

1.º poema do livro de poesia "Os dias pequenos charcos", Presença, Lisboa, p.13, 1981, de Joaquim Manuel Magalhães.

PRINCIPIO

No meio de frases destruídas,
de cortes de sentido e de falsas
imagens do mundo organizadas
por agressão ou por delírio
como vou saber se a diferença
não há-de ser um pacto novo,
um regresso às histórias e às
árduas gramáticas da preservação.
Depois dos efeitos de recusa
se dissermos não, a que diremos
não?
Que cânones são hoje dominantes
contra que tem de refazer-se
a triunfante inovação?
Voltar junto dos outros, voltar
ao coração, voltar à ordem
das mágoas por uma linguagem
limpa, um equilibrio do que se diz
ao que se sente, um ímpeto
ao ritmo da língua e dizer
a catástrofe pela articulada
afirmação das palavras comuns,
o abismo pela sujeição às formas
directas do murmúrio, o terror
pela construída sintaxe sem compêndios.
Voltar ao real, a esse desencanto
que deixou de cantar, vê-lo
na figura sem espelho, na perspectiva
quase de ninguém, de um corpo
pronto a dizer até às manchas
a exacta superfície por que vai
onde se perde. Em perigo.

Entendo que me obriga uma certa trajectória de amor pela lucidez e desinteresse paroquial e de alergia à inveja e surda pequenez, a reproduzir este poema de 81 de JMM, do ano 1 da década de 80, admirável, sem dúvida, quando a poesia portuguesa mal refeita de sucessivos modismos, hermetismos balofos e outros tiques estéreis, estava cada vez mais a afastar-se da Língua e comunidade que a justifica. É célebre uma "Carta a Herberto Helder", do mesmo autor (JMM), onde outra vertente destas questões de influências poderosas e vórtices epigonais são referidos. Está no livro de ensaios "Os dois crepúsculos".

Estou à vontade, segundo a teoria aqui exposta em alguns comentários, para falar limpa e direi mesmo com enorme admiração de Joaquim Manuel Magalhães, pois nunca escreveu uma linha a meu respeito. Colaborou isso sim, em 2 números, dos CADERNOS DE POESIA - HÍFEN (1987-1999), uma pouco pretensiosa colectânea de poemas e poetas, que de semestral passou a anual, onde eu não pretendia mais nada de relevante, do que pôr estéticas e formas de escrita em contraponto, perdendo, quiçá, algum dinheiro, desígnio que alcancei.

Talvez tivesse sido esse meu desprendimento, que moveu JMM a responder às solicitações da Hífen, o que já na época, me valeu invejinhas e olhares de soslaio. Por que será? Será só porque há gente que vive num profundo autismo e não ouve mais nada? Tenho de reler o José Gil...

Peço desculpa ao INSÓNIA de invadir o seu espaço. E deixe tombar a chuva excrementícia, pois anulando-se os comentários livres, os blogues mais não são que solilóquios e sociedades de "elogio mútuo", como tão bem diziam os nossos génios novecentistas, da "geração de 70".

Boa tarde e a melhor poesia!

Inês Lourenço

11 Comments:

At 8:13 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Errata:

O VERSO 9


Saiu ligado ao 10, erradamente.

Leia-se:

"Depois dos efeitos de recusa
se dissermos não, a que diremos"

 
At 8:37 da tarde, Blogger hmbf said...

mea culpa
obrigado
pelo comentário

 
At 1:10 da manhã, Anonymous Anónimo said...

É espantoso como uma actividade, como a poesia, onde nada há a ganhar e tudo a perder, onde o mais que se consegue, no âmbito dos emolumentos, é um ou outro convite para umas breves férias em Paris ou S. Paulo, sob o pretexto de algum colóquio ou feira do livro (algo que acontece muito esparsamente e só para quem tem o gosto de cultivar amizades nas altas esferas dos Penes Clubes ou de qualquer ministério da literatura) é espantoso, dizia, como esta actividade pode gerar tamanhos ódios. Se estivessem em jogo lances de milhões de euros, vivendas nos Algarves, iates ou automóveis de seis metros, enfim, até se “compreenderia”. No fim de contas, o mundo mental da maioria dos chamados literatos não é muito diferente do de qualquer contabilista, e a burguesia de espírito floresce ali tão viçosa como na cabeça de qualquer mestre-de-obras endinheirado.

Mas este rancor sórdido que alguns alimentam contra A ou B, só porque esses A ou B nunca dedicaram às suas produções mentais a atenção de que eles se julgam credores, parece-me uma coisa bem triste e mais digna de piedade do que de reprovação. É preciso ter-se uma vida intelectual muito exígua para passar o tempo a rosnar contra alguém que, se de repente os olhasse com benevolência, passaria certamente a ser considerado um génio. Mas rancor e água choca, cada um bebe a que quer. E não viria, pois, mal nenhum ao mundo se estes rancorosos guardassem para si ou para a intimidade da sua correspondência o fel acumulado em anos e anos de ressentimento.

O que me parece intolerável é que estes promotores de si próprios não sejam capazes de deixar escapar uma única oportunidade para vir a público verter sobre os seus “inimigos” (e que só o são no escuro das suas cabeças, pois os ditos “inimigos” nunca lhes fizeram outro “mal” que não fosse o de os ignorar) toda a espécie de farpas e remoques; farpas essas concebidas de maneira a escamotear aquilo que realmente os incomoda: que A ou B nunca tenham escrito sobre as suas pessoazinhas. E é assim que a todo o momento deparamos com pontas de veneno sopradas por medíocres do tipo Gastão Cruz ou A. Barros Baptista ou Osvaldo Silvestre contra alguém (J.M.M.) cujo mais insignificante verso vale mais do que tudo o que esta ralé conseguirá algum dia produzir. Uns porque sabem (embora nem as paredes confessem) que nunca serão senão poetas de quinta ordem; outros porque não passam de parasitas vivendo à custa da cultura que os seus “inimigos” produzem e se sentem descontentes e angustiados com essa sua posição subalterna e vampirizadora; outros ainda por mera inveja ou por ressentimento (nascidos do facto de não conseguirem produzir algo capaz de brilhar com luz própria); por todas estas razões e mais algumas (todas elas mesquinhas e denunciadoras de uma visão do mundo similar à de uma rã na borda do seu charco), estas alminhas do seu próprio purgatório têm como único desporto enxovalhar quem não os vê, quem não os reconhece ou quem não lhes envia livros com floridas dedicatórias e manifestações do mais “sincero apreço”.
O que esta infecciosa pardalada merece é o maior dos desprezos. Fosse eu muito chegado aos sentimentos cristãos, e sentiria mais pena deles do que sinto; mas a verdade é que os meus sentimentos de compaixão, prefiro canalizá-los para os verdadeiros necessitados deste mundo. Já os abutres, os peçonhentos e os invejosos, só merecem o silêncio que em geral recebem. Um silêncio, de resto, que os enfurece ainda mais, que os faz rabear como demónios eléctricos, que lhes povoa de fantasmas as circunvoluções cerebrais, e que um dia os fará morrer sozinhos, como sempre viveram (ainda que com muita algazarra em seu redor); um silêncio que, fosse eu mais sensato, nem sequer teria quebrado.

Para finalizar, não posso deixar de assinalar que o depoimento da Inês Lourenço revela uma grandeza moral inacessível a esses grilos da cri-crítica literária e da poesia repolhuda, acima mencionados. Se mais nenhuma razão houvesse (mas há), só por isso já ela seria digna das maiores felicitações. Porque a triste verdade é que movimentar-se (por pouco que seja) nos meios literários e conseguir escapar de ser um crápula, acreditem, é obra, e mais raro do que neve no Rossio.


José Miguel Silva

 
At 3:35 da manhã, Anonymous Anónimo said...

O "real" de que fala JMM tem sido, quase sempre, toscamente lido e interpretado.
Revisite-se com alguma acuidade e boa fé esse verso tão superficialmente badalado.

"Voltar ao real, sim. A esse DESENCANTO,
que deixou de cantar(...)"

As maiúsculas são minhas, para que não se faça de conta, que o "real" é outro.
Áliás qualquer médio leitor de poesia percebe isto, que não tem nada que ver com programações lineares. Leiam-se os livros do poeta e a obra ensaística.

Quanto ao hermetismo, referia-me ao balofo e não ao verdadeiro de que, de resto possuo, desde há muito, considerável número de obras, que consultei numerosíssimas vezes.

No meu anterior comentário, ao referir-me à "geração de 70", evidente que me referia aos oitocentistas, Antero, Eça, etc -os das "Conferências do Casino".

Boa saúde!
(Como costuma dizer o nosso anfitrião.)

I. L.

 
At 5:42 da tarde, Anonymous Anónimo said...

De facto, devo dizer que concordo com o manifesto simples de liberdade que o Jorge Melícias aqui deixa e gostaria apenas de notar que está à vista o fel de JMSilva que - por sabemos lá o quê (talvez porque nem todos achemos que o JMM seja um grande poeta) - ataca peixeiramente tudo e todos. Parece-me que o cerne da questão reside nisto: na agressividade dos senhores do Real, que se habituaram a funcionar como capela fechada, num autismo emburrecedor e violento. Na verdade, são Herbertos com maneirismos delicados de menina, incapazes de aceitar outros. Notemos também que é o Sr. JMSilva o primeiro a dizer a palavra Ódio... Muita coisa vai nesse coração em perigo, meu caro, se uma conversa sobre poesia já o leva a tal vocabulário.
Mais me parece também que escrever um poema para qualquer assunto revela uma atitude muito fútil para com a poesia. Talvez lhe ficasse melhor ignorar o que lhe desimporta, muito melhor seria do que deixar tão bela pérola para as antologias que os seus admiradores lhe farão.
Rui Pinheiro

 
At 6:28 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Porque é que tem de ser-se sem qualidades ou com qualidades? Porque é que se procura um abrigo tutelar? E porque tem de bater-se palmas a esta poética ou àquela? Talvez por não se ter encontrado a própria, ou andar-se ainda à procura de caminho, que será individual se o houver, e tanto mais nosso quanto mais formos capazes de o transformar na escolha de uma poética cromossomática, sem nos embasbacarmos com velhas vanguardas e com as novas que não existem porque não é tempo delas. Usar as vanguardas passadas como herança, digeridas e sensitivamente inteligíveis, penso que sim. E quanto à linguagem do real, penso que também. Numa simbiose de ambas? É só uma pergunta. No entanto, tudo é legítimo para uso do próprio e para quem aplaude, embora o maniqueísmo em poesia costume ser mais fatal que o das claques do Porto e do Benfica.

M. Bessa

 
At 9:20 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Uma poética "Cromossomática"? E a fecundação foi assistida? In vitro? Clonagem?
As pessoasa hoje em dia acham-se
autores e ideólogos e comentadores, sem conhecerem nada do que se esctreveu antes deles, no país e no mundo.
É que se o fizessem veriam que há
muito pouco para inventar. E para ter a certeza de que uma nova síntese está a caminho - é isso a invenção - é preciso muito testar, muito conhecer, muito papel rasgar.E aprender a surpreender os nexos profundos, para além das impressões iniciais. E muitas vezes desistir de dizer e publicar coisinhas ocas, só para ser muito dandy e cheio de glamour.
A escrevência de cromossoma só pode levar à neoplasia, isto é, tumor, ou nova-formação, que nada tem a ver, dado o parasitismo descontrolado, com o organismo ou sistema central.
Se fosse só necessário extravasar palavrinhas a meio da página para FAZER poesia, nascia um Pessoa todos os dias...
I.L.

 
At 10:45 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Uma metáfora é tão “real” como um martelo. Quanto aos amigalhaços, a maturidade só se atinge quando deixamos de nos preocupar com a indiferença dos outros (talvez por isso nunca se atinge). E quanto às sínteses, agradam-me aquelas que não eliminam a(s) tese(s); no caso da literatura, não poderei ser “metafórico” às vezes, “real(ista)” outras vezes, e as duas coisas juntas, ou outra coisa qualquer (síntese!), outras?
Rui Costa

 
At 2:45 da manhã, Anonymous Anónimo said...

i. l. said...
Uma poética "Cromossomática"? E a fecundação foi assistida? In vitro? Clonagem?


A chalaça e o insulto elíptico substitui a argumentação inteligente. É pena que o azedume faça destas coisas. Sucede no entanto a muito boa gente, isto é, a gente que possivelmente era boa e que azedou, talvez por esperar demais de si mesma.

As pessoasa hoje em dia acham-se autores e ideólogos e comentadores, sem conhecerem nada do que se esctreveu antes deles, no país e no mundo.

Continua a falar de viés. Que sabe do que eu sei ou não do seu país e mundo de boca cheia? Os prosélitos cartoons de Maomé poeta chegaram-lhe agora?

É que se o fizessem veriam que há muito pouco para inventar.

Agora temos o lugarzinho-comum? E quem disse que quero inventar o quer que seja?

E para ter a certeza de que uma nova síntese está a caminho - é isso a invenção - é preciso muito testar, muito conhecer, muito papel rasgar.

Ah, rio-me com o pedestal e com a contradição. E essa fé na nova síntese que está a caminho?

E aprender a surpreender os nexos profundos, para além das impressões iniciais.

Explique-me essa de "aprender" a caçar os nexos profundos, queria saber como os aprendeu para poder descortinar com mais facilidade onde os aplicou.

E muitas vezes desistir de dizer e publicar coisinhas ocas, só para ser muito dandy e cheio de glamour.

Aqui é a minha vez de falar de esguelha. Costumo aconselhar a pessoas mais narcísicas o miroir da madrasta da Branca de Neve e a sacrossanta pergunta espelho meu, espelho meu. Pode ser que dê uma resposta como as dava o oráculo de Delfos: sujeita à interpretação das conveniências. Sempre se acode ao que cada um quer ouvir.

A escrevência de cromossoma só pode levar à neoplasia, isto é, tumor, ou nova-formação, que nada tem a ver, dado o parasitismo descontrolado, com o organismo ou sistema central.

O pior é que as metástases são tão neoplásicas que tornam os discípulos iguaizinhos e tão programáticos que não há quem não boceje.

Se fosse só necessário extravasar palavrinhas a meio da página para FAZER poesia, nascia um Pessoa todos os dias...

I.L.

Depreendo, pelo menos não abusivamente, que esteja convencida de que quem não extravase "palavrinhas a meio da página" ainda pode vir a ser o tal génio que o D. Sebastião da poesia há-de trazer, setenta anos que estão passados sobre a morte do nosso último, que nomeia.

Por último, quero dizer-lhe que falhou o tiro. Nem sou por Roma nem por Avignon, não sei se me entende. Para o caso de não ter percebido: aproveitei a pontifícia metáfora de jorge Milícias acima.

Cumprimentos

mb

 
At 12:10 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Sou ignorante. Nasci ignorante filha de pai com a 4ª classe, mãe com a 3ª. No que depender de mim hei-de ser ignorante a vida toda. Há coisas bem piores para ser.
Nunca estudei humanidades, nunca orientei as minhas leituras por esta ou aquela corrente literária e muito menos pela opinião de críticos que simplesmente não leio.
É por isso que não vou abrir a boca para disser isto é bom e tal…aquilo não presta…
A minha assumida falta de conhecimento leva-me no entanto a pensar que em tanta polémica e rodeia-se o pilar fundamental: quem lê.
Já abri livros de poetas consagrados cujas palavras não me retiveram mais de três segundos. Erro deles? Erro meu, provavelmente peguei-lhe na altura errada.
A poesia meus caros, não é o que está escrito é o que é lido. O que é lido depende de quem lê. Não é para gostar ou desgostar ou compreender, é para sentir.
Um grafitti na parede pode ter muito mais impacto que 50 livros escritos. O que traz emoção a A pode não disser nada a B, isso não faz do escritor de A pior do que de B.
Quando mergulho num poema deixo que ele me invada aos sentidos sem me fixar na forma ou no conteúdo exactamente da mesma maneira como quando ouço uma música não me passa pela cabeça pensar se é dó menor.
É sentir minha gente, sentir.

Ps: já sei que o disse aqui, provavelmente já foi dito por um daqueles filósofos de nomes estranhos que com certeza merecia ser citado. Ó pá desculpem, não tenho paciência para tão basta pesquisa bibliográfica.


Aurora Silva

 
At 1:43 da tarde, Anonymous Respiratory Syncytial Virus said...

Thanks for sharing that. It was fun reading it. :-)

 

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