Dúvida metódica
Deito-me no chão a ler o Diário de Notícias. A Matilde olha uma fotografia de George W. Bush, logo nas primeiras páginas, e pergunta-me quem é. Respondo-lhe que é um homem mau. Ela quer saber porquê. Explico-lhe que é mentiroso e que todos os mentirosos são maus. Mais à frente detenho-me numa página sobre algumas alterações a levar a cabo na débil justiça portuguesa. Num dos cantos da página, uma fotografia de Souto Moura. A Matilde volta a interrogar-me sobre a identidade do misterioso senhor. Respondo-lhe que é alguém que não sei se é mentiroso ou apenas palerma. Não fosse ela pensar que se tratava de mais um homem mau como o que anteriormente lhe tinha sido apresentado, disse-lhe logo que se tratava de alguém assim-assim. Papá, de quem tu gostas? A Matilde quer saber de quem eu gosto. Gosto de ti. Não papá, aí no jornal. Viro as páginas lentamente, uma a seguir à outra, uma e mais outra, sinto-me atrapalhado, o papá não gosta de ninguém, o papá é chato, terrivelmente chato, um macambúzio insuportável, um pessimista, uma desgraça, um triste misantropo. Até que vejo um rosto amável, de uma tal Maria de Jesus, nascida em 1893, apresentada como a mulher mais velha da Europa. Gosto desta, gosto desta aqui. Sinto um enorme alívio, a minha filha sorri. Finalmente alguém de quem gosto aparece no jornal que leio. Mas a Matilde, com um faro genético para a complicação do mundo, não é de ficar pela facilidade dos sorrisos simpáticos: Por que gostas dessa, papá? Não é mentirosa?
8 Comments:
Bom texto.
Li com gosto.
Tás lixado!!!
Iniciar a pequena nos afectos, lendo o jornal, não será lá muito boa ideia. Mas tens muito por onde o fazer. E se calhar, é melhor ideia, é pores-te a ver o mundo pelos olhos dela. É uma boa terapia para os nossos pessimismos congénitos.
O mais importante: um beijo para ti e outro para a Matilde. E novidades, ainda não há? Está tudo a correr bem?
A Matilde é o máximo.
E as perguntas da Matilde absolutamente deliciosas.
o máximo mesmo! :D
Ora aí está ! O faro das crianças para a complicação do mundo. :) Gostei.
O bom destes diálogos com os nossos filhos, além das surpresas que eles nos oferecem, das graças que são, é o quanto (re)aprendemos por com e por causa deles.
Um abraço.
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